quinta-feira, 20 de abril de 2006

Visita ao médico

1956
- Doutor, tá doendo muito.
- Espere um pouco, Helena!
- Tô sentindo um aperto no peito, será que é alguma coisa grave?
- Tenha paciência!
- Eu tenho dor!
O médico tentava acalmar a aflita Helena. Não podia examiná-la sem antes fazer a anamnese.
Há alguns dias, ela sofria calada uma dor intensa no coração.
- O que fez de diferente nos últimos dias?
- Me poupe doutor, não quero conversar. Quero que o senhor me diga o que eu tenho - disse com um riso cínico e irritadiço
- É o que eu estou tentando fazer - já impaciente
- Eu tenho medo de morrer - dizia sem parar - tenho muitas coisas para resolver na minha vida! - Se você me deixar examiná-la, saberei o que você tem.
Ela suspeitava de problemas irreverssíveis no coração, mas isso ninguém poderia perceber. Dona de casa dedicada, casou-se com um rico advogado com quem teve dois filhos. Cozinheira excelente. Era boa mãe. Tinha uma relação de suportabilidade com o marido.
- Ai ai, não quero morrer!
- A medicina muito avançou. Para vários males há tratamento.
Helena caiu num copioso choro. Nenhum deles sabia que o mal que ela sofria não era físico. O médico pegou sua mão e concedeu-lhe apoio àquele momento de desespero. Ela foi se acalmando.
- Tenho rezado muito, doutor.
- Exercitar a fé é sempre bom.
- Faço novena todo mês...
- Quando isso começou?
- Isso o quê? As novenas?
- Isso tudo: as novenas, as dores no peito?
- Nem me lembro mais - num suspiro - me sinto tão, tão infeliz...
O médico percebeu que confrontava um mal para o qual a cura não seriam os remédios.
- E o que você pede exatamente? - indagou astuto
- Que perguntas são essas? Peço para minha melhora, e para criar meus filhos, e para falar....e para criar coragem...
Confusa, desatou num choro ressentido e contido. O doutor apenas a observava e coçava o queixo. Excitada, mal conseguia respirar. Num sussurro, ela disse:
- Eu não posso, mas quero...eu, eu não sou como todas as mulheres...
Explodiu:
- Eu não quero arrumar a casa, eu não quero filhos, eu não quero carinhos de um bigode e... Percebeu que fora traída pela própria emoção. O médico arregalou os olhos, mas não se deixou levar pelo julgamento óbvio e instantâneo. Respirou fundo:
- Fale com ela.
- Falar com quem?
- Helena, você é adulta...
- É difícil saber o que dizer...
- Não, é simples: diga a ela que você a ama.

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