segunda-feira, 15 de junho de 2009

Sobre bobagens tão necessárias

O sentimento que temos por alguém nunca é nosso. Ele pertence a outra pessoa. E deve ser entregue a ela. Depois, ela faz com ele o que bem entender. Mas esse processo deve acontecer. Foi pensando nisso, que ela o procurou. Primeiro seria um chá, mas ficou tão tarde. Em todos os sentidos. Não para ela.


- Por que isso agora? Você me disse ao telefone que não era nada urgente porém necessário...

- Exato...

- E então?

- Está sendo difícil para mim. É sempre difícil se expôr dessa forma, mas vou tentar. Sabe, muita coisa aconteceu nesses últimos meses, muita linha cruzada, muito vacilo, enfim. Mas precisava lhe falar, sabe, para que eu possa voltar a viver. Tenho muitas coisas a resolver na minha vida e uma delas inclui a gente, ou melhor, você.

- ...

- Eu sou completamente apaixonada por você.



Enrugou a testa, como se tivesse acabado de ouvir um furo de reportagem. Só um babaca não teria percebido AINDA que esse sentimento existia. E como existia.

- Não vai dizer que não sabia, eu dei muito na cara o tempo todo.

- Sim, você sinalizou mesmo, mas por que não veio ter essa conversa antes. Acho anacrônico termos isso agora.

- Me desculpe, mas discordo conceitualmente de você. Um sentimento legítimo nunca fica anacrônico. Fatos e objetos podem ser anacrônicos. Coisas palpáveis. A paixão tem essa propriedade?

- Tudo bem. Ok. Já fui apaixonado por você, mas agora, não há mais nada. Por isso digo que é anacrônico. Tive o encantamento que se quebrou. Vejo um descompasso em tudo isso.

- Quebrou por quê?

- Não sei.

- Mas existiu?

- Sim...Ou pelo menos eu acho...

Incrível como ela sabia o que queria. E como. E ele estava perdido. E como. Ele continua...

- Sabe, acho que até hoje não amei ninguém. Amo a ideia do que poderia ser o amor.

Ela pensava: "Eu, eu!... aqui, o amor bem aqui, olha prá esse lado....um pouco mais para o lado direito". E no milésimo de segundo seguinte se sentiu tola. Sentiu raiva, ódio mortal. Quase disse: "Olha, então fica com a sua ideia de amor aí, essa punheta sentimental, que eu vou VIVER o amor. Vou me lançar, vou arriscar. Daqui uns anos a gente se encontra e vê quem é mais feliz, pode ser?". Mas não conseguiu. Sentiu pena. E quis humanizar a conversa.

- Eu também sinto isso.

- Sente?

"Não babaca, eu amo você. De verdade.", quis dizer num ímpeto. Mas segurou as pontas.

- Sim. É normal. Até você encontrar a pessoa certa.

- É... pode ser.

- Posso pedir a conta?

- Não quer tomar mais uma cerveja?

- É outra conta. A das nossas vidas. Não quero vê-lo mais. Preciso disso, ok?

Ele pediu um abraço e agradeceu a sinceridade. Ela consentiu. Foram embora. Algum tempo depois ele foi procura-la. Não pagou a conta. Disse umas bobagens para ela acreditar o quanto era bonita e sensacional. Mas essa conta ela tinha pago. Não cedeu. Ela quer apenas um companheiro (=amor). Ele quer apenas que ela supra a carência afetiva dele (=vaidade). Não gosta dela. Na verdade, quer apenas alimentar esse sentimento para não ficar tão só. Vazio já está faz algum tempo. Bobagem!