quinta-feira, 17 de junho de 2010

As (im)possibilidades da paixão

Todo dia ela procurava por ele. Nos mesmos lugares de sempre. Às vezes ele aparecia, mas era casual. Ela gostava de sol. Ele, de chuva.
Fez uma semana de chuva. E, embora ela estivesse ficando embolorada, estava feliz, porque podia vê-lo sempre. Meio verdinha, por vezes um pouco amarelada, mas feliz. Ele não gostava dela assim. Achava meio esquisito tudo aquilo e não entendia porque ela não podia suportar a umidade que a chuva trazia. Eram incompatíveis!
No domingo anoiteceu chovendo. Mas ao amanhecer, o sol veio com toda força. E ele desapareceu. Foram sete dias, terríveis. E, embora fizesse sol e ela estivesse recobrando a cor, por dentro ela continuava cada vez mais embolorada, tomada por completo por uma cor amarelada, feito icterícia. Era uma doença que dá em quem sente saudade.

Na semana seguinte, nem chuva nem sol. Foram sete dias de um indefinido clima, caracterizado por uma densa neblina. Eles ficaram brancos e sem mais desejos como os de aflição e angústia, gerados pela saudade insaciada. E conseguiam ser visíveis um para o outro, ainda que intocáveis. Às vezes, a neblina cobria uma parte ou outra do corpo, mas tão logo desnudava em um sempre prazer de ver e ser visto. De notar e ser notado. Experimentaram uma nova sensação: a de pertencimento. Não se tocavam, se viam por vezes em metades, mas eram inteiros e estavam ali, prontos, um para o outro. Apenas esperando que a neblina baixasse e nem sol nem chuva pairasse na Terra. Nem neblina.

Era outra coisa o que desejavam, mas isso ainda não existia. Quiçá um dia existiria. A neblina foi se tornando escassa no final do sexto dia. E os dois passaram a não ser mais tão nítidos um para o outro. Apareciam em pedaços, mas como condição e não casualidade. E entenderam o que era a neblina. Ela era a neblina dele; e ele, a dela. E decidiram para sempre ficar por lá, na atmosfera tão incerta, mas a única possível para aquela paixão.