quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Ensaio sobre morrer e nascer - 1º movimento

Ela abre a porta de casa devagar e vê a irmã, que estava passando uns dias por lá, sentada no sofá, segurando o controle remoto frouxamente e com olhar fixo.
- Você não imagina o que acabou de acontecer...
- O que?
- O Paulo morreu. Eu o vi hoje de manhã na academia, conversamos, não eram nem 11h30...
- Como sabe?
- Marcelo ligou.
- E morreu do que?
- Acidente de moto. Eu tinha visto ele hoje. Hoje de manhã, faz menos de 24 horas que conversamos, ele tava animado, que loucura...

Ficou pensando que a vida é breve e não dá aviso. Não achou que era fácil demais morrer, mas pensou na fragilidade da vida. Pensou quanto tempo já havia perdido em discussões sem sentido com alguém que amava, enquanto poderia estar vivendo esse presente que também é breve. Pensou que talvez devesse ligar para uma amiga com quem não falava fazia tempo para dizer que se importava com ela. Lembrou que a última vez que tinha ido visitar a família, foi... quando mesmo??? Pensou na merda de vida que levava fazendo planos e esquecendo de viver o que naquele momento lhe era disponibilizado. Se emputeceu ao constatar que, enquanto se esperam grandes coisas (uma grande paixão, um grande salário, uma grande promoção, uma grande viagem), as pequenas, tanto ou mais importantes, escorrem pelo ralo. Irritou-se ao notar que estava buscando certezas e a única certeza o amigo da irmã dela tinha encontrado um pouco mais cedo. Sentiu-se tola pelas vezes que não arriscou, pelas vezes que não tentou, pelas vezes que insistiu quando deveria desistir e vice-e-versa.
- Na verdade, a vida é uma série de nascimentos e mortes nem sempre coordenados. Mas há quem fique apenas com uma das partes. E é um lixo! Quem nasce a todo momento vive só no futuro. Quem morre sempre vive no passado - disse a irmã, interrompendo o fluxo de pensamento.
Elas se puseram a fazer o exercício de imaginar o que ele sentiu nos últimos dias: estava feliz hoje? Será que conseguiu comer o hamburguer daquela lanchonete que abriu na cidade? O que pretendia fazer amanhã? E no próximo feriado? Talvez até mesmo tivesse comprado o ingresso para um show de rock concorridíssimo que não vai mais ver. Por causa da moto. Por causa do carro que não viu. Porque ficou desgraçadamente no ponto cego de um caminhão. Mais pelo ocaso eterno, que pelo acaso, ironicamente quase sempre tão previsível. A vida não dá recado, mas passa recibo. E não aceita devolução.

Um comentário:

J.L.Tejo disse...

Para morrer, basta estar vivo. Esses choques de realidade, que nos pegam de surpresa às vezes, têm ao menos esse lado bom: faz com que re-valorizemos a vida.