quinta-feira, 21 de abril de 2011

No tempo da delicadeza

Os dois se despediam. Era a última vez que se falavam, ao menos na condição de par. De namorados transformariam-se em meros desconhecidos. Tinha sido uma relação turbulenta, mas de reciprocidade singular. Juntos eles passaram por perrengues inimagináveis. Os dois sabiam os mais profundos segredos um do outro.
- Tchau.
- Talvez haja uma chance...
- Pra gente?
- É. Lembra? Do Chico Buarque...eu sempre citei. "Te encontro com certeza, no tempo da delicadeza..."
Os dois riram. Mas era um riso frouxo. Ela tinha terminado tudo e deixado o rapaz sem chão.
- Eu prefiro uma outra música que diz: Mire a fé, e reme.
Mais risos. Desgastados.
- Então quer dizer que pode remar de volta?
- Não, querida. Não é isso. É remar para minha fé. Para o encontro comigo mesmo. Acho que a gente se conhece tanto, mas não conhecemos a gente mesmo...entende? Eu vivia bem com isso, mas você me fez enxergar e agora não dá pra voltar. Como no mito da caverna...
- Eu não posso ficar com essa dúvida. Preciso de certeza.
Ele sentia muita raiva das tais certezas que ela dizia querer ter, mas na verdade nunca teve e nunca foram importantes ou determinantes para a relação que estabeleceram. Muito mais que amantes, eram amigos. Mas um não excluía o outro. E o mais louco é que era ela quem queria terminar justamente por uma situação que, muito longe de atrapalhar, era o símbolo da cumplicidade dos dois.
- Nossas noções de amor são muito diferentes. O seu amor romântico é o distanciado, é o devotado. O meu é o compartilhado.
- Mas acredite, que no tempo da delicadeza, não teremos mais perguntas, apenas sensações...
Ele deixou ela falando sozinha. Quando não há mais o que dizer, é melhor não dizer nada.
Depois de dois anos eles se reencontraram. Refeitos. Referidos. Referenciais.
Não era o tempo da delicadeza. No máximo, o do silêncio. Ou do toque. Se abraçaram, mas não conseguiram dizer mais nada. E continuaram o caminho, que tinha bifurcado fazia muito tempo, apontava para direções muito distintas desde aquela conversa do dia 17 de outubro de 2008.

O que é bonito a gente compartilha! Inspirado em uma conversa inspirada (rs) que tive em uma madrugada qualquer com um amigo jornalista-que-não-é-jornalista (rs) que me confidenciava uma desventura de amor. Não revelo o nome, porque seria uma indelicadeza. E o tempo é o da delicadeza...Minha homenagem ao D.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Sessão de terapia

Ela entra deseperada e senta no sofá, diante do psicólogo, para mais uma sessão:
- Estou preocupada. Bastante. Aliás, muito! Como andei muito frágil nesses tempos, falando demais, acho que todos estão me traindo, todos falam pelas costas...
- É uma forma muito 'persecutória' de ver a vida, não acha?
- Mas não é possível. Eu tenho certeza que o meu amigo disse as coisas que confidenciei. Eu tenho certeza. E agora, possivelmente, o encanto se quebrou por ele não me achar mais digna de confiança.
- Você nunca vai saber.
- Como? Nunca? E se eu perguntar?
- Vai continuar sem resposta. As pessoas falam o que elas querem e do jeito que elas querem, não necessariamente a verdade. O pensamento pode ser parcial, mas a partir do momento em que ele é verbalizado e processado, pressupostos e interesses ficam mais fortes do que qualquer outra coisa e a pessoa diz apenas o que ela quer que você saiba.
- Eu tenho o péssimo hábito de acreditar nas pessoas...
- Isso não é hábito. Isso é inerente a qualquer relação. Confiar é o que faz com que uma relação de amizade comece, por exemplo.
- E desconfiar faz terminar...
- Olhe com outros olhos. Todo mundo age assim. No fundo, todos temos nossos interesses e queremos nos dar bem. Cabe a quem ouve uma confidência ou uma fofoca ter certeza do que é e do que pensa, para não se deixar influenciar.
- Mas e se ele estiver pensando coisas ruins a meu respeito?
- E isso ter feito a relação de vocês dar errado? É um pensamento errado.
- Acha que um amigo não tem influência sobre o outro?
- Tem sim. Mas não tem influência sobre o amor. Essa é a diferença, que parece sutil, mas é drástica.
- Não devia ter falado, não devia ter me aberto, não devia ter confiado...
- Pare de se culpar com relação a isso. Se não deu certo, foi tão somente devido a uma incapacidade dele de amar.

Ela respirou fundo. Fim da sessão. Saiu andando e pensou em tudo. A culpa por ser tão de verdade, tão inteira, tão intensa nas relações: "O bom disso tudo é que com a mesma intensidade com que me apaixono e me entrego, esqueço".