segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O esvaziamento dos movimentos sociais

Segunda-feira, 6h30. Rodovia Anhangüera com trânsito acima do normal sentido São Paulo. Um grupo de pelo menos 700 integrantes do MST (Movimento do Sem-Terra) marchavam rumo a zona oeste da capital. O destino era o Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu. Manifestação pacífica e tudo correndo dentro do planejado. O itinerário seria Ponte Atílio Fontana, Monte Pascal, Brigadeiro Gavião Peixoto, Barão de Jundiaí, Rua Clélia, Francisco Matarazzo e Avenida Pacaembu até chegar a Praça Charles Miller. E assim foi feito. E a Polícia Militar escoltou o grupo de manifestantes fazendo com que a passeata fosse bastante ordeira e na maior parte do tempo ocupasse apenas uma faixa na via.
Eles reinvindicavam a reabertura da pauta de discussões acerca da Reforma Agrária. Um problema social.
Ao longo da passeata vi alguns manifestantes abordando os veículos que estavam travados no congestionamento, que se formava por toda a zona oeste, para pedir dinheiro. Um problema social que também não deixa de ser caso de polícia. Na chegada dos manifestantes a Praça Charles Miller soube que eles acampariam no Ginásio do Pacaembu e lá permanecerão até sexta-feira. Observei que muitos "manifestantes" estavam chegando em seus veículos particulares. E o pior, apenas um ocupante em cada veículo. Seria uma estratégia para atrapalhar mais ainda o já caótico trânsito e chamar atenção para a causa? Duvido um pouco...
E fiquei pensando duas coisas: essas 700 pessoas são desempregadas. Isso é um fato, uma vez que se eu dissesse para meu chefe que passaria uma semana em outra cidade e faltaria cinco dias do serviço seria demitida. Simples assim. Não consigo perceber de que forma esse tipo de mobilização pode mudar, curar o câncer que é a questão agrária no Brasil.
Dessa forma, não consigo separar o joio do trigo. Não consigo diferenciar os Sem-Terra, dos flanelinhas e dos usuários de crack que se proliferam no centro de São Paulo. É um problema social, mas também um caso de polícia.

Sobre poder e solidão

Um homem preto, pobre e sem perspectivas transforma-se em um dos maiores expoentes da música dançante brasileira - a pilantragem, no sentido literal, ainda que alguns críticos desprezem essa classificação, e no figurado - e também da bossa nova no final da década de 60. Esse homem tem nome e sobrenome: Wilson Simonal. O documentário Simonal - Ninguém sabe o duro que eu dei vem para prestar um justa, ainda que póstuma, homenagem.
É pequeno limitar-se a discutir se ele foi ou não um dedo-duro, um X9, enfim, um autêntico filho da puta. É grandioso e importante para as gerações que estão aí e as que virão sabermos da importância musical de Simonal. A overdose de ostracismo a que ele foi submetido a fórceps encerrou no alcolismo um grande artista brasileiro e impediu que os filhos da década de 80 (no caso eu) conhecesse o cara que virou a mesa, que, a partir do nada, criou tudo. Isso que fica para quem vai ver o filme.
Os militares no início dos anos 70 estavam cada vez mais impopulares, lembrando que em 1965 foi decretado o AI5 e reduziu a pó o pouco de liberdade de expressão que ainda resistia. Simonal era querido pelas massas. Além da fama, tinha dinheiro. Essa simples conta (fama+dinheiro) resultam em poder. Foi ingênuo. Um pouco mais que isso: foi ignorante. Mas não era nem possível esperar outra atitude dele: um cara que nunca teve nada e de repente tem tudo. Quem consegue manter o equilíbrio das emoções que atire a primeira pedra. Foi perverso e usou sim o poder que tinha para dar uma lição no, à época, contador Raphael Viviani, a quem atribuía a culpa pelo rombo nas finanças. Quanto a isso eu declaro: Simonal é culpado. Prevaricou, no sentido moral do significado de tal expressão. Foi anti-ético ao fazer uso do poder e influência em favorecimento de interesses pessoais. E era uma pessoa pública.
Agora, a partir daí, o empenho em ligar Simonal so DOPS é pura abstração, pura piração, quase uma palhaçada. Se ele foi ou não, caberia tão somente a ele saber. O que está em discussão é a ligação esdruxúla que fizeram entre um fato (o de um astro mimado, ansioso por ter seus desejos atendidos) e uma suposição (que ele fosse informante do serviço de repressão da ditadura militar).
Foi sistematicamente boicotado pela classe artística, principalmente pelos que faziam parte da questionável esquerda. E percebeu que estava só. Percebeu que não tinha ninguém, que na verdade não tinha amigos. Vivia cercado de gente, e cego pela fama, não percebeu que não cultivara relacionamentos sólidos. E o poder agora o deixava só.
O resto todo mundo sabe. Ou melhor, não sabe. Simonal morreu em 2000 e eu sequer me lembro dele. Sequer sei que influenciou o entretenimento da época, o conceito musical, quebrou barreiras e tinha um poder hipnotizante diante de uma platéia de mais de 50 mil pessoas (coisa rara para época, que ostentava esse número em platéias apenas nos Grandes Festivais).

"É terrível ver um homem dotado de gênio vitimado por um regime, esmagado por ele até aceitar seu destino como se fosse algo normal", disse o filósofo Isaiah Berlin. A frase diz respeito ao compositor erudito Chostakóvitch e a opressão que sofreu do Regime Soviético, mas se encaixa perfeitamente ao que imagino ser a cilada em que se meteu o malandro e malemolente Simonal. É nisso que acredito, com apenas uma ressalva: ele não foi vítima direta do regime, mas da própria soberba e da ignorância política com que se relacionou com a ditadura. Por puro capricho e desejo de cada vez mais ter mais poder.