domingo, 23 de janeiro de 2011

Carma

23 de janeiro de 2010
Ele falou o que não devia. Ela respondeu o que não devia. Os dois choraram. Ela foi atrás. Ele fugiu. Foi um para cada lado. Acabou.

23 de janeiro de 2011
Ele falou o que não devia. Ela se excedeu. Insistiu como não devia. Os dois choraram. Ela foi atrás. Ele fugiu. Foi um para cada lado. Acabou.

23 de janeiro de 2012
Ele falou o que não devia. Ela desacreditou. Pediu para ele repetir. Ele falou de novo. Ela desatinou. Os dois choraram. Ela foi atrás. Ele fugiu. Foi um para cada lado. Acabou.

Será que ela nasceu para ser amarga ou amada?

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A história do homem que sentia uma coisa e falava outra

Ele tinha uma doença, muito rara e difícil de ser diagnosticada. Tudo que ele sentia, ele dizia o contrário. Se queria comer frango, dizia que queria comer peixe. Se queria ir ao cinema, dizia que queria ir ao parque. Ele vivia atormentado com essas confusões, principalmente porque tinha consciência. Mas não conseguia agir sobre isso. Era incontrolável.
Foi tratado durante muito tempo como esquizofrênico. Mas não era. Tinha outra coisa. Que ninguém sabia o nome: ele sentia uma coisa, mas na hora de verbalizar, dizia outra. Por vezes ele ficou irritado, pois disse coisas que não queria. Mas aí, quando via, já tinha dito e era tarde demais.

Cresceu assim. E, embora sociável e muito bem quisto no círculo de amizades, sempre viveu e foi sozinho. Solitário. Não namorou, não constituiu família, não teve filhos. Porque essas sempre foram suas vontades, mas ele sempre dizia o contrário. O que fazer?

Já passando dos 40 anos, os amigos decidiram presenteá-lo com um passarinho. Um canário do reino. Ele nunca havia falado em animais de estimação, mesmo porque possivelmente nunca tinha pensado nisso. Talvez, se tivesse falado, diria que preferia um cachorro.

Mas o canário do reino passou a ser a sua paixão. Mais que isso, sua razão de viver. Mas isso só ele sabia. E dizia o contrário. Como sempre fez. Cuidava do canário melhor do que dele mesmo. Mas falava coisas horríveis para ele, geralmente antes de dormir, quando o pássaro insistia em cantar uma de suas canções para que ele dormisse melhor. O pássaro era absolutamente devotado àquele homem rude. Ele sentia que, no fundo, era também amado por ele.

Um dia, como fazia sempre, o homem foi colocar o pássaro para dormir, mas esqueceu a portinhola da gaiola aberta. O canário, já cansado de tantos desaforos, saiu e nunca mais voltou.

No dia seguinte, o homem notou que o canário estava calado. Saiu e percebeu que ele o havia abandonado. Disse coisas horríveis e depois começou a chorar e, em um murmúrio sussurrou: "eu te amava". E percebeu que a "doença" que tinha era uma das tantas possíveis manifestações do medo. Medo de perder o controle de uma situação por ser invadido por sentimentos tão fortes quanto irracionais. Medo de revelar seu lado mais frágil, mais verdadeiro. Medo de ser rejeitado. E esse medo, que carregou por toda uma vida, se desmanchava agora, quando, tentando evitar, acabou abandonado. Seu único companheiro continuou sendo, o sempre e cada vez mais fiel: o medo.