quarta-feira, 30 de março de 2011

Não era bem o que se pensava

Havia um celular muito cobiçado. Ele era o que mais chamava atenção dos clientes na vitrine da loja. Ficava lá, todo bonitão, reluzente, dia após dia. Embora cobiçado, poucos compradores tinham o valor dele. Ele não era caro, ele era diferente. E ser diferente tem um alto preço na vida. Havia um jovem que todo dia ia namorar o celular pela vitrine da loja. Ficava lá horas, sem cansar, sem ver o tempo passar. Era o seu objeto de desejo. Depois de alguns meses, conseguiu comprá-lo. Pagou de uma só vez, com todas as garantias. Em três meses, começou a notar que o celular não eras tão bonito assim, que não era tão bom assim, que não era tão tecnológico assim, que nem queria tanto assim como um dia pensou. O senso comum irritante convencionou dizer que a paixão dura três meses e acaba. Asneira! O que desejam esconder é que as pessoas são tão egoístas que querem apenas sanar suas expectativas. E o celular teria que satisfazê-lo na mesma intensidade da primeira vez para sempre. Manter o encantamento seria responsabilidade única e exclusiva do celular. Mas o dono dele passou a compará-lo aos outros celulares que teve na vida. A expectativa se mostrou pequena depois de pouco tempo. Não foi a paixão que acabou. A paixão ainda nem tinha começado. Mas o dono não quis mais o aparelho por medo de aí fidelizar-se. Aí sim, entregar-se. O que pensaria o outro aparelho, por ele abandonado um tempo antes? Ingrato! Desculpa esfarrapada para a explicação mais simples: sem sentir e ser de verdade, não dá jeito, a expectativa será sempre maior do que a realidade. E aí, a inevitável comparação, fica injusta.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Em vão

De repente, ele não via mais ela. Ela estava lá, mas ele não podia mais enxergar. Ou pensava que não podia. É sempre como se processa a mente de quem está num turbilhão de sentimentos. Confusão. Ele se via apaixonado. Mas pela primeira vez livre. As outras relações que havia acostumado e passado a considerar corretas, eram algo como dependência, repletas de egoísmo. Tudo que o pessoal costuma dizer que é paixão, mas não é. Paixão é intensa, intenção. Afeto, que no sentido radical quando falamos em paixão, pode ser algo como afetar, afetação. Nunca prisão. Se falarmos de amar, então...Doar, no sentido de partilhar. Não depender, não precisar.

Ela, tão viva que era, estava vivendo em uma montanha russa emocional. Não podia mais suportar. Mas insistiu, porque era puro o que sentia. Era verdadeiro, era livre. E deixou para ele um bilhete: "eu tento me aproximar, mas você se afasta". Eram assim os últimos dias. Insuportáveis. Pesados. Cobrados.

Ela cansou. E começou a encontrar o que estava quase morrendo dentro dela mesma: o amor próprio. E, apenas com isso e por isso, ela passou a não ser mais enxergada por ele, que insistia em procurar aquela que tanto desrespeitou. Ela entendeu que se ele fez tantos absurdos com ela, foi porque ela também permitiu. "Toma vergonha, menina!" - ela ouvia uma voz masculina, de um grande homem que passou pela vida dela. Quem sabe até mesmo o pai. E sentiu vergonha.

Ele, de tão indeciso, acabou decidido por ela. Mas ela havia decidido sem exatamente escolher, mas agindo, que não seria mais ele.

Vagava por todos os locais onde ela poderia estar. Onde certamente gostaria de estar. Mas, embora ela estivesse lá, ele não mais a reconhecia. Ficou desatinado e decidiu que ia busca-la até encontrar. A busca se mostrou, após alguns meses, angustiante e dolorida. Nunca mais poderia achar. Quando perguntavam para ele, completamente transformado pela dor da perda, se ainda doía, dizia ele, inconsolável e tão cafona (embora lindas) quanto são as declarações de amor:

- Só dói quando eu penso nela, e eu penso nela quando eu respiro.

*livre inspiração no livro "Malu de Bicicleta", de Marcelo Rubens Paiva, e de andanças por aí...

quinta-feira, 17 de março de 2011

Despedida

Deitados juntos, mas não unidos. Abandonados após terem fatalmente sidos escolhidos pela melhor amiga dos amantes: a solidão. As únicas testemunhas eram os próprios desejos. Não havia nada naquele quarto. Não havia antes nem depois. Estavam despojados de todo e qualquer conceito do que convencionou-se chamar civilização. Não havia pensamento, só sensação.

Era como se o mundo tivesse acabado algumas horas antes e começasse a partir daquele instante. Seria um recomeço.

As palavras calaram no coração dos dois, mas algumas, insistentes, ficavam martelando na cabeça. Não houve sufocamento da verdade, mas a censura, enxerida que só ela, dava as caras de vez em quando.

Quando saía, tudo voltava a ser etéreo. E tão honesto quanto é, em última análise, o desejo de quem tem um objetivo. De quem sabe o que quer. E os dois sabiam muito.

Permitiram que, numa explosão dos cinco sentidos, travados em uma completa confusão dada a interferência de um sobre o outro, se abraçassem, beijassem, gozassem. Foi aflito, quente, fugaz, verdadeiro. Como aquela paixão, que durou um só verão e foi varrida junto com as folhas secas das árvores no outono.