segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O instante

Esse espaço é para ficções, mas hoje estou com vontade de escrever sobre um filme que pude assistir na Mostra Internacional de Cinema esse ano por um acaso: "O futuro", de Miranda July. Na verdade, ele renderia muitos posts, mas quero falar de um aspecto específico que o filme aborda com muita clareza: o instante. Mas não é qualquer instante. É o instante que antecede um momento irreversível. No filme, o personagem "congela" um segundo antes de quando sua mulher ia dizer que estava apaixonada por outra pessoa e que ia deixá-lo. Comecei a pensar nos instantes que antecedem uma má notícia, uma virada na história (um turning point, diriam os roteiristas) ou mesmo uma tragédia. Parece que, por um segundo, ou menos que isso, tudo se congela. Fica paralisado. E o mais maluco é que não há como mudar. Esse segundo é como um respiro, mas a coisa vai acontecer de qualquer maneira. Não há como evitar, reverter. Não há.
Quando um prédio vai ser implodido. Observe: depois de acionado o dispositivo, ele fica intacto, durante alguns milionésimos de segundos, para depois despencar sem dó, de uma só vez.
Nas histórias em quadrinhos isso também acontece. Em Frank Miller e seus quadros cheios de sexo, sangue e escuridão também mostram claquetes desse instante que antecede a destruição.
Nos desenhos animados, o coiote sempre fica suspenso no ar antes de cair de um precipício.
Quando algo muito drástico aparece diante de nós, repare, o acontecimento pode se concretizar ou ser interrompido, nos dois casos é lugar comum falar ou ouvir: por um triz. Por um triz que fulano escapou. Ou por um triz que não conseguimos evitar o pior.
Nos dois casos, ficamos com o quase.
Às vezes pensamos que por um segundo a coisa x aconteceu, a y deixou de acontecer, você se desencontrou, você se desencantou...enfim. E essa sensação de que por muito pouco poderíamos ter mudado o rumo das coisas é tão ilusória quanto infantil, na medida em que você nega que não é possível ter controle sobre tudo. Há escolhas e há fatos. Temos que procurar fazer as escolhas na medida em que os fatos acontecem. Não dá para prever os resultados. Há como escolher e viver.
No filme, é isso que o personagem tenta, em vão, fazer. Ele sente o silêncio que antecede o fim e, para evitar esse fim que não aceita, ele para tudo.
Mesmo que hipoteticamente isso fosse possível, não é algo inteligente a se fazer. Porque o fato está ali, pronto para acontecer e vai acontecer e, mais que isso, tem que acontecer. A partir do acontecimento, você precisa fazer suas escolhas. A vida é movimento, já diria um amigo meu e a Pina Bausch. Sempre que fizer com que esse movimento te leve para frente, vai conseguir perceber que realmente fez escolhas. Certas ou erradas? Não sei. Não dá para saber, não dá para prever. Não importa como as coisas vão se ajeitar. Não importa se, como no filme, o passado vai voltar e você vai resolver que, na verdade, sempre foi o que você quis ontem, hoje e amanhã. O que importa é que já não é mais a mesma coisa. Porque a vida é movimento, porque as pessoas mudaram, as estações mudaram. E mesmo que você sinta que algo voltou, isso é ilusório. Ele se destruiu em um instante para ser construído do zero. Ainda que sejam os mesmos tijolos, eles estarão configurados e serão dispostos de maneira diferente. Isso é vida! E por isso, pensando no instante, no momento, e no filósofo dos tempos modernos, o professor e tio torto Vitti tem muita razão em sua frase lapidar: "A vida é momentos!"