quinta-feira, 5 de abril de 2012

A visita

O que você pensa antes da morte? O que passa pela sua cabeça minutos antes de ser levado para um passeio para a eternidade por ela? A Morte se tornou soberba com o passar da vida, porque sabe que, não importa com quantas mulheres você se relacione, ela será a última.

(Respiração curta. Fraca.)

É nisso que ele pensava olhando para o teto daquela UTI. Havia uma TV. Desligada. A cama pequena e com duas grades ameaçadoras.

(Respiração. O Bipap sobre um pouco e depois desce, cansado de trabalhar)

Melhor que estivesse em uma prisão. É assim que me sinto. Quando alguém vem me visitar fica 20 minutos e logo passa a enfermeira, tal qual uma carcereira: "Acabou a visita". Mas afinal de contas que foi que eu fiz de errado para estar aqui preso? Encerrado... Encelado... Talvez tenha vivido demais. Mas vivi bem, todo o tempo me foi, de fato, prazeroso e muito bom. 

(Um bipe insistente no capnógrafo do paciente ao lado. Nos momentos de intervalo, é o silêncio que fala)

A hora não passa dentro de um hospital. Em uma UTI é pior ainda. Não se vê a luz a do sol, nem a da lua. Não se sabe se chove ou faz calor. É uma bolha hermética, que pode salvar, mas pode enlouquecer.

(Respiração. Incômodo. Vira de um lado. Dor)

Quando eu sair daqui, vou tentar ser mais tolerante com os outros. Reclamar menos do que acontece, afinal, quando está ruim para mim pode estar para outras pessoas. Vou aceitar mais convites, vou me arriscar até a algumas loucuras... E a máxima mais verdadeira, de fato, é aquela que diz que não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe. Opa, tá chegando alguém...será ela?


(Respiração acelerada. O bipap se desprende do lado esquerdo. Difícil respirar)

Ele queria ver a amada, a Vida, antes que a Morte chegasse. Mas a Vida não podia vê-lo na UTI, ia ficar frágil no território da Morte. Vieram dois fiéis escudeiros, mensageiros da Vida e explicaram a impossibilidade. Falar ao telefone em um centro de tratamento intensivo era proibido, mas dada a circunstância.

(Brilho nos olhos. Sorriso sem dentes. Ânimo.)

- Qual o problema em burlar uma regra que ninguém respeita? E por um motivo nobre. Ligue agora e eu arcarei com as consequências.

Assim foi feito. Pelo celular, ligamos para ela, que atendeu:
- Alô?
Do outro lado da linha, a Vida, cheia de alegria, podia ser ouvida:
- Alô!!! É você? Não acredito que ligou.

E falaram de coisas tão belas e únicas, tão cúmplices e ininteligíveis para os que observavam aquela cena de amor, mas que fazia todo o sentido para a Vida.

Desligou:
- Pronto. Agora sim, tudo vai ficar bem! Não importa se vida ou morte, estou em paz.


*em homenagem ao Toninho Cruz, meu avô guerreiro.