quinta-feira, 19 de março de 2009

Mãos

Quando eu olhava para ele, só via uma mão. Na verdade, duas mãos. Um par de mãos perfeito. Tinha os dedos longos e grossos, mas não grosseiros, e o espaço entre eles era simétrico. Pêlos na medida certa, unhas bem cortadas, rente a ponta do dedo, que era levemente arredondada. As linhas da palma da mão era bem desenhadas, fundas e claras. Eram mãos expressivas.

Tudo que fazíamos tinha que ter a mão dele. Adorava passear no parque, porque as mãos dele ficavam segurando firme as minhas. Tomar sorvete, refrigerante, vinho, vitaminado ou cerveja, era sempre uma experiência incrível. Ficava fitando o movimento das mãos: os dedos se aproximando do copo, fazendo pressão contra a parede suada daquele copo, se unindo e finalmente fazendo uma pequena força para sustentar o recipiente e leva-lo a boca. E aí as mãos ficavam próximas da boca. E eu queria que a cena se congelasse. Mãos e boca, que mais um homem precisa ter nessa vida?

Não gostava de ve-lo jogando futebol. Nada contra o jogo, pelo contrário, até me agrada bastante. Mas em se tratando daquelas mãos, elas não poderiam ficar abandonadas ao lado do calção por 90 minutos. As mãos no futebol ficam bobas, em segundo plano. Gostava mesmo é de vôlei. Nessa modalidade sim as mãos eram protagonistas. E ficava na arquibancada a observar o movimento das mãos dele. Os sets passavam sem que eu percebesse e eu sempre queria mais.

Mas o que mais gostava era do toque daquelas mãos. Era pesado na medida certa. Os dedos de movimentavam com fluidez, mas sem nervosismo. Tinha carinho e desejo. E as mãos passeavam por todo o meu corpo. E por dentro dele também. E era simplesmente fantástica aquela sensação.

Aquelas mãos precisavam de um seguro exclusivo, para protege-las, mante-las intactas. Tentei convencê-lo a fazer uma previdência para aquelas mãos. Para quando fossem envelhecendo, fossem ficando cansadas, vai que elas necessitem de algum reparo?

Ele não gostou nada da ideia. Me acusou de maluca e me deixou de mãos abanando. Tive direito a um último pedido: peguei uma lata de tinta e pedi que ele mergulhasse aquelas mãos sagradas dentro, pressionando-as sobre uma folha de papel.

Não tenho mais as mãos. Tudo que tenho são lembranças e aquela imagem. E quando olho para aquelas mãos marcadas no papel, bate uma saudade.

quarta-feira, 11 de março de 2009

O medo do juízo

Ele gostava tanto dela. E ela dele. Mas nem um, nem outro confessariam tal desatino em sã consciência. Sequer sob pena de serem torturados. Era o irrealizável. E isso tornava aquele sentimento mais interessante ainda.
O proibido é desafiador. E ponto. Mas o irrealizável, além de desafiador, traz uma angustia em sua condição. Uma fatalidade. E a ideia que fica é de que, se concretizado, seria irretocável.

Bobagem?

O que os outros iriam pensar? Ou, pior ainda, o que os outros iriam dizer? Ela vivia num mundo de convenções, no qual a opinião do outro sobre suas escolhas pesava muito. Era quase sempre determinante. Ele tentava escapar disso, mas apenas na teoria. Na prática, era talvez até mais preocupado com as convenções, a moral e as regras.

Eles se encontravam, muitas vezes. Conversavam, poucas.

Aquela situação era insustentável para ela, no entanto, administrável para ele. E ele foi levando. E ela foi sofrendo. E ele foi negando. E ela foi pressionando. E ele se esquivava. E ela ficou doente. Talvez do coração, talvez da carcaça mesmo. E ele percebeu o quanto era tolo. E aquela situação se esvaiu. E ela trocou de plano. E ele tomou coragem.

Mas aí, então, já era tarde. Deitou, e foi sonhar.