segunda-feira, 23 de abril de 2007

Crescer: perder inocência, ganhar poder

Uma breve discussão sobre dois curtas: "Vinil Verde" e "Da janela do meu quarto"

A perda da inocência, ameaça a um poder simbólico socialmente construído, o olhar para o desconhecido e a descoberta do poder. Não, não é de política que “Vinil verde” e “Da janela do meu quarto” falam. É de como os papéis sociais, quando articulados para sustentar o poder, são uma espécie de barreira ao crescimento e à descoberta do novo.

Quando “Vinil verde” conta a história de mãe e filha mostra o que acontece com todo ser humano que vive em sociedade, submetido as relações de poder sustentadas pelas funções sociais. Os cortes entre cenas criam a sensação de temporalidade na ação das personagens, contrapondo-se a rotina na vida das duas, símbolo de segurança e controle por parte da mãe, que foi em certo momento quebrada pela filha.

Repleto de figurativismos, a leitura do filme exige um olhar atento. A caixa preta, presente da mãe para a filha, instiga na menina curiosidade pelo novo e fomenta o processo de descoberta de um mundo além do seu quarto, sua cama e suas bonecas. Quando a filha desobedece às ordens da mãe e ouve o vinil verde, há uma quebra de confiança e um processo de conquista de independência: a garota adquire poder de decisão e responsabilidade por suas atitudes. Partindo da construção de uma narrativa simbólica, a mãe volta do trabalho sem as mãos e sem as pernas e, a medida que isso acontece, os laços entre as duas se estreitam: a menina começa a ficar cada vez mais mãe e menos filha. Fazendo uma apropriação do velho dito popular, a filha já pode “andar com as próprias pernas”.

A menina ultrapassa os limites da porta da casa e se depara com a mãe em franca agonia, que naquele momento morria. O papel de mãe morre para “ressurgir”, um dia, na filha. O crescer, a todo momento, limitado por ordens, pode ser doloroso para mãe, que perde a utilidade social, quanto para filha, obrigada a aprender a lidar com sentimentos escusos: amor, ódio, medo, angústia, aflição e solidão. Ela seria feliz? Sofreria demais?

Em outra direção, “Da janela do meu quarto” traz a simplicidade das imagens de duas crianças brincando na lama e debaixo da chuva. Despretensiosos encenam a dança do poder: o garoto, por ser maior e mais forte que a garota, impede, com a imposição das mãos, a aproximação corporal. Há uma situação de dominação, na qual o garoto subjuga a fragilidade da garota, demonstrando o poder através da força. Quando a garota, ainda que por alguns instantes, impede a movimentação do garoto este se sente ameaçado e busca voltar a antiga situação. Esse retorno não é mais possível: o controlado percebe que pode controlar.

O eixo de diálogo reside na relatividade das relações de dominação. Os dois buscam retratar as diferentes manifestações de poder e como a perda da identidade social é inerente ao ser humano. Não há o que possa impedir o desabrochar do indivíduo: há sempre o desejo de ver o que há do outro lado da porta, enfim, desvendar.