segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Hesitante

Hoje ela entendeu o que sente quem está prestes a dar cabo da vida. Ela seguia pelo viaduto Antonio Nakashima, no centro de São Paulo. Queria chegar a Marginal do Pinheiros, estava tão longe, estava tudo tão engarrafado, ela se perdeu nos pensamentos. O peito já doía na Vila Matilde, quando passava pela Radial em direção ao centro, há pelo menos 20 minutos. Imaginava que a dor era semelhante a de alguém em processo de infarto do miocárdio. Era angústia. Não conseguia compreender porque estava se sentindo tão só. Tudo bem que ele havia a deixado sem maiores explicações e já estava feliz em outro relacionamento. Faltavam peças àquele quebra-cabeça. Como alguém poderia ter o poder de arrasar a vida de alguém daquela maneira?
Começou a transpirar. Ligou o ar-condicionado. Sentiu frio. Depois vieram os calafrios. O vidro meio aberto, depois meio fechado. Em seguida, fechado por completo. A música que tocava no rádio, "Bandeira", era uma de suas preferidas. Mas não conseguia ouvi-la. Tudo a incomodava. O sujeito que estava no carro ao lado estava dirigindo praticamente deitado. Como alguém conseguia tal proeza? O táxi que estava a sua frente não estava prestando atenção no trânsito. Quando o bloco de congestionamento se movia, o taxista demorava muito. Que irritante! No carrro de trás, repleto de jovens, ouvia-se música muito alta.
Olhava o viaduto sobre o qual estava parada. Olhava distante o viaduto 25 de março. Tentava calcular a altura. Qual o melhor ponto para despencar. A queda teria que ser infalível, afinal de contas, não morrer e ficar inválida só atrapalharia mais ainda a vida dos outros. Era assim que pensava. Atestado de incompetência pular e não morrer. O fracasso não era apenas nos amores mal fadados, mas no intento de morrer. Isso não!
Olhava a direção. Olhava o trânsito. Olhava o viaduto. Decidiu o ponto que pularia. Olhava para a porta. Pensava em sair e pular e acabar logo com tudo aquilo. Voltava para a realidade, respirava fundo. Olhava a direção, o relógio, o trânsito que não andava, sentia o o coração apertar, ânsia, muita dor de estômago. Colocou as mãos para a abrir a porta. Olhava para o céu nublado, a garoa típica de São Paulo. Olhava mais uma vez para os dois viadutos, fazia cálculos e comparação impossíveis de serem comprovadas. Respirou três vezes. Fechou os olhos. O coração doía muito. Pensou que, na verdade, o suicídio era uma fuga. Literalmente. O suicida não quer morrer. Ao menos não escolhe o caminho da morte e sim o da não vida. Nega a vida que leva. Quem dá cabo da vida está sofrendo, sente angústia, sente pesada a vida que leva. Mas isso não significa que pensa na morte. O impulso é de fuga: fugir da angústia que sente, que o persegue. A morte é a consequência do ato de procurar uma saída.
Abriu os olhos. O trânsito andou mais um pouco. O telefone tocou: uma amiga. Sentiu culpa. Suicidas não sentem culpa. Percebeu que era uma fracassada como potencial suicida, bem como no amor, e desistiu.