sexta-feira, 9 de junho de 2006

A sorte está lançada

- Você vai morrer
- Vou nada! Quem vai é você...
- O menos ágil vai morrer
- Ou o menos rápido
- Ou aquele que tiver mais sorte
Dois amigos apostaram o resultado da final do Campeonato Brasileiro daquele ano. Deu empate. Decidiram levar a história as últimas conseqüências: resolver na roleta russa.
Quem estava no centro das atenções era uma pistola cromada calibre 38. A coronha era de madeira. Cerejeira.
Um escolheu pinga prá tomar coragem. O outro optou por tequila, em respeito as raizes mexicanas do pai.
Na cartucheira, seis espaços que logo seriam ocupados por duas balas devidamente selecionadas.
Gira a roleta. A sorte está lançada. Já há um escolhido para começar o duelo.
Segura a arma com força, pressionando-a sobre a mesa. Puxa-a e posiciona-a próximo ao ouvido esquerdo.
- O cano está frio
- É claro, isso é ferro, seu burro
As mãos, suando em bica gelada, se espremem na arma, com o objetivo de não deixá-la escorregar. Não há muito tempo para pensar, quando o indicador desliza sobre o gatilho, levando-o para trás.
Apenas um clique, indica que o gatilho foi acionado, porém não havia bala. Livre, comemora a passagem. Um suspiro longo e aliviado.
Coloca a arma sobre a mesa e gira. O cano fica entre os dois. Haverá um tira-teima. É a vez do outro. O rito de nervosismo que antecede a proximidade óbvia com a iminência da morte se repete. As mãos roxas seguram a arma, com o suor gelado do oponente e fica difícil saber o que é mais frio naquele momento: o medo ou a matéria.
- Vamos acabar logo com isso.
Num repente, segura a arma sem hesitar e aperta o gatilho, exigindo um certo esforço dos seus dedos que àquele momento já tinham as articulações comprometidas. Novamente um barulho de atrito do ferro indica que a roleta teria muito para rodar ainda.
Nova rodada. O primeiro cumpre novamente o ritual. Dessa aponta para o ouvido direito. Um estrondo. Silêncio. Mãos na boca. Sangue na parede. "Eu disse a ele que o lado esquerdo dava sorte".
Atordoado pela cena e nauseado pelo cheiro de pólvora, pensou que alí ainda restava uma bala para ele. No empate não há vencedores e perdedores. É uma situação onde todos ficam empareados.
Não pensou muito. Girou o pente do revolver e colocou o cano no céu da boca. Estrondo. Silêncio eterno.
O rádio, baixinho, sintonizado na 97.6 mhz AM informa o cancelamento da partida final do Campeonato Brasileiro por suspeita de corrupção da arbitragem. O locutor conta aos ouvintes que ainda não está decidido o dia para um novo jogo.

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