segunda-feira, 17 de junho de 2013

Utopia

Existiam dois lados. O lado A e o lado B. O poder supremo tentava qualificar cada um dos lados, o que dicotomizava ainda mais a massa. Segregava os bons dos maus. Mas o poder, afinal, de que lado estava? Ele existia acima de todas as coisas e era indefinível, contudo aceito pelos dois lados.
Algo naquele mundo havia se modificado. Há algum tempo um dos lados decidira deixar de acatar e passou a questionar. Eram tempos em que os extremismos cresceram e os argumentos caíram por terra. Mas quem precisa de argumentos quando existe uma causa muito evidente que mobiliza? A postura de respeito se mantinha, mas havia mudado o foco. Porque respeitar não é necessariamente obedecer. Muito menos aceitar. Um dos lados ficava, a cada dia, mais impregnado de um inconformismo gestado por muitos anos de inércia. O outro era tomado de uma inveja maligna, porque, no fundo, queriam ter forças para romper paradigmas, mas o que está arraigado é dolorido de se deixar desprender. Tamanha inveja que se transformou em ira. Quando se encontravam, nas ruas e avenidas daquele lugar, a liberdade de um dos lados foi gerando a intolerância do outro. Mas não tinham bons e maus. Tinham libertados e comandados. E os comandantes, sem rosto e com os olhos bem distantes dali. Afinal, o poder traz tantas responsabilidades, não é mesmo?
Foram dias difíceis. A questão não era de convencimento, mas de pertencimento. E, por mais evidente que isso possa parecer, mudanças exigem um tempo para acontecer. Muita persistência. De um lado em falar, do outro em calar. Até que um dia, o lado que oprimia se percebeu oprimido. Tudo aquilo não fazia o menor sentido. Quem estamos defendendo, afinal? - questionava um dos lados.
No encontro final, o catalisador da mudança, um dos lados apareceu nu. Unificada, a massa despida de qualquer pressuposto, seguia, distribuindo sorrisos e palavras de ternura. A cada metro, ela aumentava de tamanho. Do outro lado, a massa obediente, iluminada pela escuridão e um peso imenso nos ombros, sentia o dificuldade de enxergar, o que impedia uma movimentação ordenada. Se encontraram. (pausa).

Cada um do outro lado, foi deixando as armas no chão, tirando o peso dos ombros e se uniu aos outros. Porque, no final das contas, era feito da mesma matéria do outro. Os olhares não mais se cruzavam em confronto sem sentido, mas miravam para a mesma direção e a caminhada nunca mais parou. Se sentiram compreendidos e representados. Deixaram de acatar, passaram a questionar. O poder supremo, de onde vinham as ordens, ficou tão envergonhado por ter se deslegitimado, que, solitário, desapareceu. Ainda está sendo procurado. Vivo ou morto, oferece-se grande recompensa. Se for achado, terá como punição viver exatamente com aquilo que dizia oferecer para os outros. E terá vida eterna, mas não vai sublimar, não. Ficará na terra.

Porque, às vezes, é preciso desconstruir, distanciar, analisar e, só depois disso tudo feito, começar a reconstrução.

Um comentário:

Anônimo disse...

Escrever palavras certas sobre as coisas é o mais bonito dos talentos Maria,Parabéns!