quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Estrela da vida inteira

Era a rotina. Por volta das nove e meia da noite, o filho ia escovar os dentes e, rapidamente, se aninhava debaixo das cobertas, ouvidos bem abertos para a história que a mãe ia contar. Todo dia uma história nova. Algumas se encontrava em bons livros de fábulas infantis. A maioria vinha da imaginação daquela mãe. Algumas poucas assinalavam verdades.

A história daquela noite seria do garoto Paulo. Ela contava que toda noite, antes de se deitar, ele abria a janela do seu quarto e ficava a contar estrelas. Queria saber se todas elas estariam sempre ali, naquele mesmo lugar. Se algumas partiriam, se outras novas chegariam. Incrível, mas com diferença de duas, no máximo três estrelas, todo dia a contagem era a mesma. Estavam todas lá, a espera do olhar de vida a ser lançado ao brilho incomparável de uma estrela. Talvez, apenas comparável a alegria de viver que tinha aquele olhar.

Ele gostava do dia, mas apenas quando fazia sol, porque o brilho do sol transmitia vida. Tal como o das estrelas, que ele procurava visitar toda noite. Mas as estrelas tinham com ele uma relação mais próxima dos desejos. Imagina só, toda a sorte de sonhos a serem realizados, juntos, ocupando o céu de Paulo, na forma de estrelas.

Um dia, o sol apareceu completamente coberto por nuvens. E dentro do garoto Paulo apareceu um espaço ocupado imediatamente por uma densa escuridão. Mas ele não se deixou abater. Os poucos fios de sol que apareciam de vez em quando entre as nuvens, tapavam pouco a pouco esse buraco. A luta ficava cada vez mais difícil. As semanas iam passando e os raios de sol iam se enfraquecendo, e o buraco ia aumentando. Mas Paulo não desistia.

Numa terça-feira, o sol não apareceu. Paulo aguardou ansioso a chegada da noite. As estrelas certamente estariam repletas do impulso de vida. Mas as estrelas não estavam lá. Paulo precisou subir até o céu para descortinar aquela escuridão. E não voltou mais.

O sol voltou a brilhar na quarta-feira, mais vivo e forte. Quanto as estrelas, olhe ainda essa noite pela janela do seu quarto e verá Paulo brilhando no céu, tal como as estrelas que admirava. Mesmo chovendo ele estará lá. Bem pertinho da lua, todo vaidoso e cheio de si. A maior de todas. Ele é estrela da vida inteira.

E o filho entendeu que as pessoas vem e vão. Nos dois movimentos, quase sempre de forma repentina. E a gente deve sempre optar pela vida, não importa em que plano seja essa vida. Paulo vive.

Homenagem ao amigo Paulo Américo, colega de profissão, com quem aprendi recentemente e de forma dolorida o quanto é importante acreditarmos e amarmos a vida, não deixarmos nada para amanhã e termos perseverança. Ele amou, viveu, lutou e aconteceu durante o tempo que teve aqui na terra. E deixou saudades e admiradores eternos. Eu sou uma delas.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A parte da personagem que nos cabe

Eu não acredito mais no amor. Era assim que a peça começava. João e Maria. Mas não aquela história do casal pré-adolescente que foge pela floresta colocando no caminho migalhas de pão que em seguida são devoradas sem piedade por pássaros selvagens. Não! Não tinha nada de conto de fadas.

Era a décima desilusão que ela sofria e prometera, enfim, para ela mesma, nunca mais acreditar em palavras de afeto ou juras de amor. De algumas se lembrava; outras, preferiu esquecer. Ela lembrava de um amor adolescente, que abandonou e depois se arrependeu irremediavelmente. Mas ele não a quis mais.

João amava Maria. E Maria amava João. Tudo certo e resolvido? Não. Eles não podiam ficar juntos. Porque João tinha uma Ana. Mas não amava Ana, amava Maria. E porque não ficavam juntos? Porque as grandes paixões não têm um final feliz.

Ela penou para superar essa rejeição, mas conseguiu, com certo êxito. E veio outra grande paixão. Ele tinha uma filha, fruto de um relacionamento ainda latente, mas decidiu esconder essa verdade tão importante, tão fundamental. Aconteceu o que sempre acontece na vida real: ela o viu passeando no parque com a garotinha, que não devia ter nem cinco anos completos. Na fila do sorvete, observava a cena a certa distância, quando ouviu cada letra da palavra: "Papai!"

João e Maria eram amigos. E só. Pelo menos era o que vinha a público. O segredo tão óbvio era dividido entre os dois. E só. Se amavam tanto, que Maria aceitava encontra-lo às escondidas. Ele prometia que iria assumi-la, mas precisava de um tempo para resolver a situação com Ana. Ela esperou por dias, semanas, meses...

Ela jurou que nunca mais iria acreditar nos homens. Que tudo o que diziam ser verdade eram mentiras e as próprias mentiras eram mentiras. Mas deu crédito ao amor. Para ela, encontrar alguém passou a ser questão de honra. Se apaixonou por alguém que tão logo a desprezou. O vazio foi ocupado por uma carência que a fez cega. E ela engatou namoro com o primeiro que apareceu. No início ia tudo bem e ela pensou conseguir respirar aliviada. Nem um ano se passou e ele passou a bater nela. Desistiu.

Em nove meses, nascia o filho de Ana e João. E ficava cada vez mais difícil João dizer a Ana que não a amava. Que queria estar ao lado de Maria. Os laços entre os dois ficavam cada vez mais fortes. Maria pedia garantias, João deixou de dá-las. Maria ainda acreditou que tudo pudesse se resolver, e tinha, em seu íntimo, uma sensação de que tudo iria acabar bem. Mas se enganou. Mais uma vez.

Mais machucada por dentro que por fora, quando menos esperava e de onde menos esperava, veio o amor. Ele confidenciou a ela, que sempre fora apaixonado, só estava esperando o momento certo. Era aquele. Apesar de sempre muito confuso, ela acreditava no amor que ele sentia. Todos os amigos debochavam da mulher sonhadora em que tinha se transformado. Todos diziam que ele só queria enganá-la. Ela o defendia e acreditava na verdade do sentimento que ele nutria. Se declarou desejosa de ter uma vida ao lado dele. Ele negou. Disse que, na verdade, não gostava tanto assim dela. Determinada a esquecê-lo, ela foi se machucando e se fechando a outras possibilidades. Mas ia esquecê-lo, de qualquer maneira.

Depois de cinco longos invernos eles enfim se encontraram. Era primavera e ele lhe trouxe um ramalhete de rosas vermelhas, as suas preferidas. Ela agradeceu e o recebeu com um beijo no rosto. João achou Maria fria. Maria disse que o clima mudava bastante naquela região. Ele a beijou, ela consentiu. Em seguida, disse que finalmente havia tomado coragem de se separar de Ana e que, agora, poderiam viver o grande amor que sentiam um pelo outro. Maria, tão machucada quanto amadurecida pelos anos de espera, simplesmente levantou e saiu. Dizem que o amor existia, mas não aconteceu.

Logo ele estava namorando outra pessoa. E ela tentava, em vão, esquecê-lo. Mas ele não sabia nem metade do seu sofrimento. Fingia sempre estar bem. E começou a se acostumar com a ideia de não tê-lo. E a paixão que sentia foi se reduzindo às memórias das poucas vezes em que ficaram juntos. E ela se conformou. E justamente três dias depois, recebeu uma mensagem dele: "Você é uma mulher incrível. Mas eu sou um fraco falível. Você prá mim foi um sonho irrealizável. Não parece, mas, na verdade, te amo."

A personagem caminhou devagar até o procênio, se despiu. Levantou o rosto. Era a atriz: "Eu não acredito mais no amor".