quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Con(v)ivência

Eles estavam muito sem paciência um com o outro. A relação de sabe-se lá quanto tempo dava sinais de desgate. Ela não se lembrava mais de como tudo havia começado. Ele, nem ligava.
Não conversavam mais amenidades como antes, tampouco coisas sérias. Ficavam horas um ao lado do outro, sem dizer uma palavra sequer. Mas não era um silêncio cúmplice. Era puro desgosto.
Nos últimos meses não dividiam mais seus dias, suas minúcias, apenas o cigarro e o pacote de bolachas água e sal, que ele adorava e ela simplesmente não via a menor graça. Mas comia. A convivência estraga a paixão e assassina qualquer tipo de sentimento que se aproxime do amor.
Um dia ela acordou, olhou para o lado: vazio. Sentiu um alívio. Suspirou e levantou. Foi à sala e o encontrou vendo TV com os pés no sofá, prática que ela — como boa virginiana — abominava, ainda mais nele. Olhou por alguns minutos a cena. Ele esboçou algumas palavras, mas não passaram de rascunho para ela. Sentiu-se tão infeliz naquele momento. Pegou a bolsa, fez um aceno com a mão esquerda e disse que ia comprar cigarros. Nunca mais voltou.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Da série: como se enganar e presenciar conseqüências imediatas

A minha rua não tem fim, só começo. Na verdade, colocaram uma praça para indicar que ela termina. Esses podem ser detalhes, apenas detalhes...mas serão importantes para entender o que aconteceu.


Voltando da aula de dança, passei pela praçinha para ter acesso a minha rua. Há um véinho (e aqui, valeria uma explicação sobre a diferença de véio e velho, mas farei isso em outra oportunidade) que fica olhando carros nessa mesma pracinha. O diâmetro de sua pança dá conta de como ele emprega o dinheiro.

Vou me aproximando, caminhando, assoviando. Ao passar pelo distinto, meu ouvido esquerdo ficou consonante com a sua boca e ouço: "Vagabunda!". "O quê?" - disse, dando-lhe um tapa de mão cheia na cara.

E percebi que ele acabara de xingar uma moça num Peugeot prata que ficou por doze horas estacionada na "sua" praça e não lhe deu sequer umas moedinhas.

Fazer o quê. De qualquer forma, não gosto de olhadores de carro mesmo. A maioria, salvo raras exceções, para não ser injusta, são grosseiros e ameaçadores. A Rua é pública minha gente. Cidadania é mandá-los à merda.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

A Feminilização do Brasil

"A proporção de homens em relação à população total feminina continua em queda no Brasil, segundo mostra a Síntese de Indicadores Sociais 2006, divulgada hoje pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No total do Brasil, em 2006, a média era de 95 homens para cada 100 mulheres. Segundo a pesquisa, as regiões metropolitanas de São Paulo, Curitiba e Porto Alegre apresentaram a relação homem/mulher mais equilibrada, com aproximadamente 92 homens para cada 100 mulheres. Na região metropolitana do Rio de Janeiro, havia apenas 86,4 homens para cada 100 mulheres e, em Salvador, 88 mulheres para cada 100 homens." (Agência Estado - 28/09/2007)

O mundo clama, ó meu Deus: as mulheres dominarão o mundo. O mais irônico é que um pesquisador gringo, há alguns anos, noticiou que o Homem tinha milhões de neurônios a mais que a Mulher. No entanto, meus amigos, há mais mulheres que homens.

O que alhos tem a ver com bugalhos? Explico: lembram da teoria Darwinista que enuncia a evolução das espécies? Os mais evoluídos ficam, os menos sucumbem ao esquecimento e posterior desaparecimento.

Não preciso dizer mais nada, né?

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

A insanidade sã do controverso Lobão

O Lobão, aquele músico de cabelos ensebados, dentes mal cuidados e olhões esbugalhados, é um porre. É isso que todo mundo sempre diz. Essa foi a imagem que o compositor e cantor construiu - acredito, propositalmente - ao longo dos anos.

Lobão é roqueiro das antigas. E goste ou não, sempre conseguiu se manter na mídia. Vendendo poucos discos e dando prejuízo para as gravadoras, mas ganhando visibilidade pelo viés da polêmica.

O último CD, um acústico produzido pela emissora de televisão MTV Brasil, é um notável trabalho de garimpagem de boas músicas do rock dos anos 80 e início dos anos 90. Um toque suave e nostálgico para ouvidos minimamente exigentes.



Mas não é da música do Lobão que venho falar.



Venho falar da participação dessa distinta figura no Programa do Jô. Não foi gastar sequer uma linha sobre o jornalista-apresentador. Vou falar do compositor Lobão. Nota 11 para ele. Mandou muito bem!

Trajando uma camiseta preta com letras brancas que diziam "PEIDEI, mas não fui eu". Ridículo? É o que muitos iam dizer e é o que pensei por um segundo. Nos poucos minutos de entrevista, cantou uma paródia escrachada da música O que será (à flor da pele), de Chico Buarque, falou do mensalão, da descabida absolvição de Renan Calheiros e achacou a população de ingênua, pois ainda insiste em acreditar que o presidente não viu e não ouviu nada.

Me senti agredida pelas críticas contundentes de Lobão. Mas uma agressão reconfortante. Foi fantástico ouvir o Lobão falando o que bem quisesse, em um programa de audiência, em uma emissora como a Rede Globo. Ele soltou os cachorros, lavou a égua, como dizem no interior.

E ele tem muita razão. O Lobão tá cagando prá tudo isso. Ou melhor, peidando. Isso tá ficando escatológico, mas vou prosseguir. Vamos todos peidar prá isso. Prá absolvição de Renan, prá permanência da abusiva CPMF, para quem diz que não viu e não ouviu.

Nas próximas eleições, proponho uma atitude: em vez de votar, vamos peidar. Alivia....

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Pública, digital e algumas querelas

Hoje quero fazer algumas desconsiderações acerca da televisão. Opa! Desconsiderações? Isso mesmo! Isso porque não acredito no que ando vendo e ouvindo por aí. Em se falando em TV tudo tem que ser audio-visual (risos)...
A TV Digital vai chegar com toda pompa e circunstância no dia 2 de dezembro, na cidade de São Paulo. O que ganhamos com isso? Alta definição de imagem e a possibilidade de proliferação de outros programas em espaços que irão surgir. Uau!
Na mesma direção, a TV Cultura defende o recém-implantado-antigo-projeto-televisivo de jornalismo público. O jornalismo que pensa no cidadão, afirmativa, que, em primeira análise, soa prepotente.
Muitos dizem que a dobradinha digital + pública vai propiciar uma maior abrangência da informação, que também será de melhor qualidade e que vai colocar o cidadão em primeiro lugar.
Mas há um detalhe, que vim a saber recentemente: quem quiser desfrutar dos prazeres e possibilidades que a TV digital pode dar, terá que adquirir um aparelho codificador de sinal, algo assim. Quanto custará? 150, 200, 300 reais? O trabalhador assalariado vai ter que tirar dos seus trezentinhos e uns tantos mais, o dinheirinho para ingressar na maravilha tecnológica.
A pergunta que fica é: como uma possibilidade que se pretende abrangente, mas segrega, poderá ser pública?

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

ser mulher nos dias de hoje

O telefone está mudo. Ligo na Telefônica para verificar os pagamentos estão em dia, apesar de saber que estão. Em um programa de auditório, um dia antes, escuto uma distinta senhora representante do PROCON dizer que a empresa em questão é campeã disparada em reclamações. Tremo. Mas sigo em frente e volto a ligar para a empresa de telefonia. Explico o que me aflige: "preciso do telefone fixo e ele não funciona". Agendo uma visita do técnico da Telefônica para o dia seguinte mediante o pagamento de 4 reais e 35 centavos. "É so pela visita né?". "Não senhora, é uma taxa de manutenção que a senhora pagará nos próximos seis ou sete meses". Um abuso do cacete. Mas não ofereci resistência uma vez que precisava ter a minha linha de volta.

No dia seguinte, o técnico chega às oito e meia da manhã na minha casa. O diagnóstico vem rápido. "Fizeram coisa errada aí". Eu retruquei: "Coisa errada? Como assim?". Esses caras que vem prá resolver problemas sempre ficam com meias-palavras. "Fizeram uma gambiarra quando instalaram". Prontamente autorizei a fazer o que fosse preciso para resolver meu problema. Ele disse que não poderia resolver meu problema, pois roubaram o cabo do telefone. Pediu 100 conto para arrumar e deixou claro que faria uma gambiarra. Eu perguntei se eu tinha cara de idiota e ele se fez de desentendido. Espera aí: primeiro era uma gambiarra e depois não havia mais fio.

Nesse meio tempo, apareceu o zelador. O idiota teve coragem de dizer que fui imprudente em não acompanhar a instalação da linha, há quase quatro anos. Um ultraje! "O quêêêêê????????Então você está admitindo que deveria acompanhar o serviço, pois as pessoas são picaretas e gostam de enganar as outras. Você está pressupondo que o cara que fez o serviço é pilantra". Ele me respondeu "que a vida é assim".

Subi nas tamancas. "Se tem algum sem vergonha aqui esse alguém deve ser você. Aceitar que não podemos mais confiar que um serviço possa ser feito honestamente. Que absurdo!".

Ele ficou me olhando com cara de paisagem. "E eu, como fico com isso tudo? Não entendo de telefonia, só quero que me resolvam esse problema". Começaram a jogar a culpa um para o outro, enquanto o técnico despejava em uma verborragia quais eram os problemas.

"Basta! Você não vai resolver o meu problema?", apontando para o técnico. "Você também não?", voltando para o zelador. "Sumam, então! Sumam!".

Entrei chorando em casa. Ser mulher hoje em dia é difícil.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Eu tenho pena de mim

Eu tenho pena de mim, porque eu vivo no Brasil.

Forte isso não? É com isso que tenho tomado contato nesses últimos dias frios de julho. Acontecimentos fortes, declarações fortes, acusações fortes, dor forte e sujeira, muita sujeira forte, que nem com muita cândida é possível remover. Por isso, optei por um início de texto igualmente forte, proporcionalmente violento.

Poderia relatar o lamentável desatre aéreo do qual fomos espectadores há pouco mais de uma semana. Poderia elencar os possíveis fatores que culminaram no acidente que vitimou quase 200 pessoas. Poderia listar os prováveis culpados e de quebra dar sugestões de castigos para os infelizes. Poderia propor uma reflexão acerca do sofrimento de todos que perderam seus amigos, seus amores, seus pedaços de vida e, que em muitos casos, não conseguirão tampouco um vestígio, ainda que da morte, da pessoa para cumprir o ritual cristão de enterrar seus mortos.
Mas no país em que a maior parte dos verbos proferidos pelas autoridade termina em 'ria', resolvi variar.

Há que se separar o joio do trigo, para usar uma desgastada citação bíblica. Mas não vejo trigo, apenas joio. E um joio fedido e podre.

Com mais essa catástrofe que tirou a vida e o sorriso de mais de uma centena de brasileiros, percebo, cada vez mais claramente, que tenta-se curar uma ferida aberta não identificada e de forma não assertiva. O Brasil sofre de uma doença que encheu de escaras a governabilidade do país. A nação verde-amarela está sem administração. Essa é a ferida aberta e pustulenta. E ela é que gera tantos outros problemas, que vemos diariamente no noticiário, nos comentários de qualquer idiota com um mínimo de consciência na fila do supermercado.

Essa é a reação em cadeia. Uma doença leva a outra. Escaras que não se curam, viram feridas ainda maiores, que enchem de bactérias e podem colocar fim ao organismo em questão.

Fala-se da pista, do avião, de contigente dos aeroportos desse gigante país, mas pouco se fala que toda essa lambança, toda essa crise vem de lá longe. Pouco se fala que o aparelhamento do Estado imposto pelo digníssimo sr. presidente Lula, tirou de cargos que exigem especialidade os profissionais e os encheu de políticos. De comadres e compadres, como dizem aqui no interior, que comem churrasco com o presidente na Granja do Torto. Nada contra churrasco, é claro. Ainda mais porque deve rolar só picanha das boas. Ao menos nosso dinheiro, nesse caso, está sendo bem investido.

domingo, 8 de julho de 2007

A moto seguia em alta velocidade pela estrada, à esquerda da pista. Estrada boa! Duplicada, pista recapeada recentemente. Rumava a esmo. O farol apagado: não queria ser notado. Cem metros adiante, na mesma estrada, um treminhão transportava toneladas de cana. Queria chegar logo, mas tinha consciência que seu lugar era ali, à direita. Mas viu um obstáculo, não conseguia identificar. Deu luz alta e nada. Saiu para a esquerda, afinal, o espelho retrovisor dizia que ninguém vinha atrás. A moto pensou que dava tempo e resolveu nem avisar. Não deu. Um barulho. O caminhoneiro nem ligou, pensou que alguma feta de cana caíra no chão. Mas um barulho de ferro arrastando mantinha-se insistente. Foi para o acostamento e o que viu foi horror: um caminho de sangue, que terminava na sua terceira carreta, onde havia também pedaços de ferro preso e pedaços humanos.
Vomitou. Tentou desvencilhar o caminhão daqueles restos. Na seqüência, um ônibus passava. Reduziu a velocidade e baixou os faróis, na tentativa de saber o que havia ocorrido. A cena chama atenção de uma passageira do ônibus, que se aproxima da janela. O que se ouve é um grito de pavor. O boné, os pedaços de camiseta e a placa da moto: era seu o sangue derramado pela estrada. Seu filho era quem dirigia a moto.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Um ano. Tantas coisas, tantas pessoas, tantas horas. Fiquei pensando sobre tudo o que tinha me acontecido nesse tempo. Passei por dois empregos, tomei calote, fui para Salvador com pouco dinheiro no bolso, conheci Dona Nicinha, me apaixonei duas vezes e nenhuma deu certo, gastei boa parte do meu salário em bebida, dividi minhas horas com pessoas fantásticas, outras nem tanto, ganhei presentes bacanas, outros nem tanto, não dormi na minha cama umas várias vezes, descobri que nem sempre aquele que sorri quer teu bem, que ter unhas compridas só tem graça se forem pintadas de vermelho, conheci alguém que hoje amo, entendi que amigo de verdade não cobra, compreende.

E o que, essencialmente, fiz? Será que vivi ou fui aceitando o que me era designado? Agora é vida nova.

Não sabia que morrer doía tanto!

apesar do atraso de alguns dias, o texto se refere aos meus recentes 22 aninhos

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Crescer: perder inocência, ganhar poder

Uma breve discussão sobre dois curtas: "Vinil Verde" e "Da janela do meu quarto"

A perda da inocência, ameaça a um poder simbólico socialmente construído, o olhar para o desconhecido e a descoberta do poder. Não, não é de política que “Vinil verde” e “Da janela do meu quarto” falam. É de como os papéis sociais, quando articulados para sustentar o poder, são uma espécie de barreira ao crescimento e à descoberta do novo.

Quando “Vinil verde” conta a história de mãe e filha mostra o que acontece com todo ser humano que vive em sociedade, submetido as relações de poder sustentadas pelas funções sociais. Os cortes entre cenas criam a sensação de temporalidade na ação das personagens, contrapondo-se a rotina na vida das duas, símbolo de segurança e controle por parte da mãe, que foi em certo momento quebrada pela filha.

Repleto de figurativismos, a leitura do filme exige um olhar atento. A caixa preta, presente da mãe para a filha, instiga na menina curiosidade pelo novo e fomenta o processo de descoberta de um mundo além do seu quarto, sua cama e suas bonecas. Quando a filha desobedece às ordens da mãe e ouve o vinil verde, há uma quebra de confiança e um processo de conquista de independência: a garota adquire poder de decisão e responsabilidade por suas atitudes. Partindo da construção de uma narrativa simbólica, a mãe volta do trabalho sem as mãos e sem as pernas e, a medida que isso acontece, os laços entre as duas se estreitam: a menina começa a ficar cada vez mais mãe e menos filha. Fazendo uma apropriação do velho dito popular, a filha já pode “andar com as próprias pernas”.

A menina ultrapassa os limites da porta da casa e se depara com a mãe em franca agonia, que naquele momento morria. O papel de mãe morre para “ressurgir”, um dia, na filha. O crescer, a todo momento, limitado por ordens, pode ser doloroso para mãe, que perde a utilidade social, quanto para filha, obrigada a aprender a lidar com sentimentos escusos: amor, ódio, medo, angústia, aflição e solidão. Ela seria feliz? Sofreria demais?

Em outra direção, “Da janela do meu quarto” traz a simplicidade das imagens de duas crianças brincando na lama e debaixo da chuva. Despretensiosos encenam a dança do poder: o garoto, por ser maior e mais forte que a garota, impede, com a imposição das mãos, a aproximação corporal. Há uma situação de dominação, na qual o garoto subjuga a fragilidade da garota, demonstrando o poder através da força. Quando a garota, ainda que por alguns instantes, impede a movimentação do garoto este se sente ameaçado e busca voltar a antiga situação. Esse retorno não é mais possível: o controlado percebe que pode controlar.

O eixo de diálogo reside na relatividade das relações de dominação. Os dois buscam retratar as diferentes manifestações de poder e como a perda da identidade social é inerente ao ser humano. Não há o que possa impedir o desabrochar do indivíduo: há sempre o desejo de ver o que há do outro lado da porta, enfim, desvendar.

segunda-feira, 5 de março de 2007

Enquanto isso, na sala de justiça

+ Criança de apenas 1 ano e 7 meses é violentada e morta.
+ Dois rapazes são mortos a facadas na Zona Leste de São Paulo
+ Garota é atingida por um tiro nas costas durante assalto a Agência do Banco Itaú, em São Paulo

Enquanto isso na sala de Justiça....


- Esse negócio aí de diminuir a maioridade penal vai dar samba?
- Não sei, não sei...Acho que vai contribuir para a formação de criminosos qualificados cada vez mais novos.
- Estão falando em mudanças na Constituição. Uma bobagem, não?
- Ah, isso aí não é problema nosso. Deixa com os deputados.
- É mesmo, prá que mudar? A gente ganha bem prá caramba e nunca fez nada, prá que mudar agora e arriscar errar.
- É, desencana e me passa esse uisquinho que está dos deuses. É doze anos?
- Dezoito.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Como não se comportar em uma entrevista - Parte 2

Trajada respeitosamente, diria meu avô, chego para mais uma entrevista. Sento-me e verifico se meu cofrinho está à mostra.
O examinador entra. Apresenta-se, como todo consultor que se preze, com simpatia exagerada. Um viadinho. Espera um pouquinho, não serei eufemática*. Uma bichona, gorda e mal vestida. E precisava de um tonalizante nos cabelos.
A entrevista segue bem, até que:
- O que você faz quando está nervosa?
- Espero.
- Espera o quê exatamente, alguém para que você desconte seu nervosísmo?
"Filho de uma prostituta, tá me encurralando", pensava enquanto sorria nervosamente para ele.
- Não! - respirei - espero o nervosismo, a raiva passar (e o ódio que eu estava sentindo dele naquele momento também).
- Tudo bem, tudo bem, o que eu quero saber é enquanto você espera, o que faz?
Àquela hora queria levantar, cuspir bem cuspido na cara dele e dizer: "olha aí sua bichona, é isso o que eu faço enquanto espero a raiva passar!". Desisti. Me enchi dele e daquelas perguntinhas típicas prá pegar tonto.
- Como minhas unhas - disse, sem piscar e exibindo, solerte, as minhas mãos e as unhas, uma a uma, roídas - é auto-mutilação; faz bem, fucniona como uma auto-punição por ter ficado com raiva, nervosa, enfim, perdido o controle.
Arregalou os olhos e escreveu alguma coisa na folha que estava bem na frente dele. Com certeza, algo do tipo: essa é louca, ou interditem essa candidata...
Acenou positivamente a cabeça e disse que a entrevista estava terminada.

Dois dias depois meu celular tocou e vi, pela bina, que era o telefone do tal consultor. Nem atendi. Óbvio que não fui contratada. Bláh!

*eufemático = termo cunhado em plena redação do Esquinas de S.P., que designa um sujeito muito cheio de dedos, ou seja, que usa muitos eufemismos, misturado com o cara fleumático.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Anedota tirada de uma notícia de jornal

Saíra apressada aquela manhã. Nem tivera tempo de pentear as longas e negras madeixas adequadamente. O pente era apenas para a franja; cinco escovadas do lado esquerdo, cinco do direito e duas atrás: era seu rito de passagem da casa para a rua. Não era um cabelo exatamente lindo. Mas tinha volume e brilho naturais.
Correndo as escadarias do pequeno prédio no Botafogo, onde mora com a avó, ganhou as ruas do Rio naquela manhã e logo fez o sinal para que o ônibus que a conduziria até o Glória parasse.
Entrou no veículo, passou pela catraca e acomodou-se na segunda dupla de bancos do lado direito.
Abriu o livreto de palavras-cruzadas que gostava de ter como passatempo durante a viagem e, distraída, começou a completar as lacunas. Houve um movimentação suspeita no ônibus. Ela mal percebeu. Aproximava o livreto dos seus olhos vivos no afã de descobrir uma palavra incógnita.
Dois sujeitos ocuparam os assentos vagos, bem atrás dela. Um, ficou em pé, parado, bem ao lado.
Com destreza, um deles pegou uma tesoura e começou a executar o serviço. Dividida entre o passatempo e o incômodo que àquela hora sentia no couro cabeludo, pensou que alguém estava puxando seus fios.
Ao que fez menção de virar-se para tirar satisfações e pedir que parassem de lhe puxar os cabelos, o sujeito que estava em pé, justamente dando cobertura, puxou do cós de suas calças um revólver previamente engatilhado.
- Shiiiiu... É um assalto. Cala a boca e fica tudo na boa...
Sem entender, não demonstrou resistência e até ofereceu a bolsa, onde estava sua carteira com alguns poucos trocados. Nesse entretempo, o mais magricela do trio terminara o trabalho.
- Rapa daqui, vamo rapá daqui...
Deram sinal para que o ônibus parasse e com o tufo de cabelos nas mãos o trio saiu comemorando. O assalto fora bem sucedido.