domingo, 22 de maio de 2011

Quando o amor vira nojo

Quando o amor acaba (ou se transforma, como preferem dizer os mais otimistas)ele pode virar resignação, culpa ou nojo. A transformação do amor estava começando e, embora com forte resistência, se estabelecia como verdade irreversível.

Há uma fábula que expressa essa transformação. Uma raposa que queria pegar uvas em uma videira e não conseguia. Uvas suculentas. E simplesmente, quando desistiu, disse que elas estavam verdes. Arrumou uma desculpa para se conformar com o fato de não ter conseguido as tais uvas. Mas elas não estavam verdes. Elas estavam ótimas para o consumo. Foi a forma que ela conseguiu, não esquecer, mas aceitar, não sem os sentimentos que o fracasso provoca, que não tinha conseguido pegar as tais uvas.

Mas havia outra raposa que queria pegar as uvas. E conseguiu pegar uma ou outra, mas o cacho todo ela nunca conseguiu e virou chacota de outras raposas que cobravam potência e sucesso no objetivo. Ficou a vida toda se martirizando por ser supostamente um fracasso na arte de surrupiar umas uvas. Não se perguntou uma única vez sequer se as uvas estavam realmente suculentas. Ou ainda, se elas se colocavam como inatingíveis, permanecendo nos locais mais altos das videiras, de propósito. Ou por fim, não de perguntou que raios as outras raposas ficavam metendo o bedelho nas vontades dela. Deveria ter mandado todas catarem uvas ou coquinhos. Mas não! Tomou para si o fracasso de toda uma plantação... A culpa era toda dela, a raposa "loser".

As uvas estavam verdes. Uma outra raposa esperou pacientemente o tempo necessário até que elas amadurecessem. Nesse tempo, estabeleceu uma relação até de intimidade com as uvas, que tinham a maturação muito desejada e acompanhada diariamente por aquela raposa, que, com o chegar do tempo certo, passou a observar - alertada por outras raposas - que aquele cacho de uva estava se disponibilizando para outras, embora tivesse feito um trato de que seria dela. A raposa não deu ouvidos e se esforçou para alcançar as uvas, que, olhadas de baixo, pareciam muito suculentas. Maduras. Ao pegá-las e, prestes a devorar com muito apetite uma a uma, viu que a parte de cima delas estava podre. De lá saíam bichos que ela nunca tinha visto, que a parte aparentemente saudável havia escondido. Teve nojo. Depois se sentiu enganada. E acabou por vomitar toda a espera nas uvas, que ficaram encobertas por aquela gosma ressentida. E viraram adubo.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O expulso

Ele colecionava conquistas. Antes se sentia inválido e rejeitado. De repente, como num passe de mágica, passou a ser o conquistador. As mulheres caíam aos seus pés. Ele passou a se sentir desejado e amado. Mas eram relações superficiais. Não passavam de algumas saídas. Era o que alimentava a sua frágil e recém conquistada segurança. E que o tornava ainda mais covarde.

Continuava vazio. Sempre vivera daquela forma. O destino o levou até aquele momento. Ele não teve capacidade, em toda a sua vida, de fazer uma escolha sequer. Até as decisões mais importantes, que pareciam terem sido opções dele, eram circunstanciais, fruto de situações inevitáveis. Era justamente a falta de opção. Ele se deixava levar. E em se deixando levar, nunca havia vivido algo verdadeiro. E passara a vida inteira na tentativa de mostrar para os outros que estava conseguindo ser uma pessoa realizada.


Naquele momento de alta cotação no mercado de relacionamentos, passou a investir no sexo diversificado. Chegou a acreditar piamente que a rotatividade da cama dele iria resolver os problemas que carregava desde o final da adolescência. Quiçá, desde a infância, com uma mãe autoritária e superprotetora.

Mas, com o tempo, aquele vazio não passava. E o fato de, na verdade, ele nunca ter gostado nem dele mesmo, passou a ficar cada vez mais forte. A única verdade é que ele não se aceitava. Tentava, ao se deixar levar, se expulsar de si mesmo. Tendo o destino como o responsável pela sua vida, tirava das suas costas o peso de qualquer decisão.

Foi percebendo que não estava feliz. Não era e nem nunca tinha sido feliz, nem por um instante. A busca o acompanhou por toda a vida. Apenas no leito de morte teve sua revelação. Naquele lugar, decidiu morrer. A morte, ao que parece, não é algo que decidimos. Mas nesse caso aconteceu. E, já morto, percebeu que sua primeira e única opção em vida tinha sido mais uma vez motivada pelas mesmas razões de suas não escolhas: pelo desejo de se livrar de si mesmo.