segunda-feira, 24 de abril de 2006

Os dois lados da moeda

Naquele dia eu saí bem cedo com minha mãe para irmos até a cartomante. Fomos resolver os nossos destinos tão complicados e que de tão diferentes se cruzaram.
Papai a deixou, grávida, e agora ela estava vivendo feliz um novo amor. Estava amando de novo. Eu estava atrapalhando. Mas mamãe não tinha coragem de se livrar do empecilho, porque era uma mulher, ainda que na imaturidade de seus dezessete anos, muito responsável. Ela estava perdida, não sabia o que fazer. Tudo o que eu queria era vê-la feliz. Por outro lado, queria merecer a chance de ao menos experimentar o gostinho de viver. Deve ser tão bom!
Eu já tinha dado sinal de vida antes desse moço por quem mamãe se apaixonou aparecer, mas ela preferiu mentir sobre a minha existência. Teve medo de ser julgada e abandonada outra vez. Antes sempre alegre, ela caiu numa terrível depressão e eu também, porque tudo que mamãe vê eu vejo, tudo que mamãe sente eu sinto.
Tudo isso me fazia ter crises existenciais; apesar da barriga da mamãe ser muito aconchegante, queria me libertar, criar uma identidade própria...Queria sair da escuridão!
Enfim, chegamos à casa roxa da cartomante. Ao entrarmos, o cheiro de incenso penetrava nos poros o que me deixou um pouco atordoado. Mamãe ficou com dor de cabeça, mas acho que era de preocupação. Começou a chorar e contar sua triste história à cartomante que rapidamente pôs as cartas do tarô na mesa e deu resposta às dúvidas de mamãe.
Aquela angustiante espera de mamãe me provocou náuseas e começei a me debater, fazendo com que ela lembrasse que eu ainda estava ali. Estaria sempre ao seu lado, se ela assim desejasse. Era uma questão de escolha.
Sem antes ouvir a resposta, saiu da casa meio a esmo. Fomos parar numa clínica de aborto. Não conseguia odiá-la, pois era minha mãe e muito menos ao moço, pois ela o amava, talvez mais que a mim.
As paixões são incertas. Fico só pensando se vale a pena trocar uma relação estável por uma aventura. Pode ser que sim, pode ser que não.
Será que sentiria culpa ao me ver morto? Indefeso, eu não tinha culpa por ela estar naquela situação. Só podia confiar no bom senso. Mas não sei dizer se nessa situação o mais sensato seria me poupar. De qualquer maneira haveria uma morte: ou a do filho, ou a da paixão adolescente. Nunca é possível ficar com dois lados de uma moeda: quando escolhe um, o outro fica automaticamente descartado. Veja o meu caso, por exemplo, se escolher nascer, abandono o conforto do acolchoado ventre materno, mas terei o prazer de ver a luz de um dia de verão.
Entramos na clínica. Fiquei impressionado com a fila. Nesses tempos, anda cada vez mais fácil mudar de idéia. Mamãe não sentia-se bem. Imagens da vida passavam pela sua cabeça e a difícil decisão martelava seu cérebro, esmagando-o.
Decidiu. Saímos da clínica e fomos até a casa do moço de quem gostava muito, terminar o que nem havia começado. Abortou a possibilidade de amá-lo, já que ele era um moleque e seus sonhos não eram compatíveis com os dela. Quem sabe dalí a alguns anos eles se reencontrassem e fossem felizes? Seria obra do acaso. Nunca é bom contar com isso.
Os destinos meu e de mamãe, que antes apenas haviam se cruzado, se tornaram somente um. Ela seria minha mãe e eu seu filho e isso, nem o tempo, nem ninguém iria mudar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Boa tarde minha cara,

Adorei o texto e a maneira como ele trabalha o lado da escolha do ser humano, afinal como uma vez eu li naquele livro ( o monge e o executivo ), nós somente temos duas coisas que somos obrigados a fazer em nossas vidas: morrer e fazer escolhas!!
Tete, adororei esse blog e lhe dou o maior incentivo, sempre que puder irei fazer comentarios.
Um grande beijo e fique bem!!

Anônimo disse...

Muito bonito, Tetê, mas não me
surpreende, rs.
Sempre soube q vc escrevia bem.
Conte-me como uma leitora assídua, a partir de hoje.