sexta-feira, 12 de maio de 2006

O peso da vida

Na varanda da casa, numa quarta-feira qualquer.
- O cemitério tem uma coisa bonita, não sei. É algo que soa quase como uma poesia, uma bela música, não sei.
- Que idéia é essa?
- Nada não, fico só pensando, sei lá. Toda vez que vou a um cemitério, fico passando por entre as túmulos, olhando as fotos, os nomes, a data de nascimento e de morte, aí calculo a idade da pessoa e fico me perguntando: quem era, em vida? Você não pensa essas coisas?
- Não! De jeito nenhum. Só vou a esses lugares quando tem velório, mas faço as honras e me mando em seguida. A proximidade com a morte me dá arrepios - passando as mãos nos braços, num instinto de auto-proteção.
- Não é a morte, são apenas pessoas mortas. Um dia foram como nós e quem sabe conversaram numa quarta-feira, na varanda de suas casas.
- Você me dá medo, as vezes...
- Quando me deparo com aquelas tumbas onde não há foto, fico pensando se, de repente a pessoa era feia demais ou se não houve quem se preocupasse com isso.
- Há há há, essa é boa. Quem se preocupa com isso? Que importa colocar uma foto do morto, se...
Interrompendo:
- É para eternizar o momento entende?!? Em alguma fase da existência da humanidade, em algum lugar, esse alguém teve importância para outro. Não colocar uma foto é enterrar o registro cabal de que aquela pessoa realmente existiu. Não permitir que a vejamos é demasiado cruel! Nunca poderemos saber quem é.
- Você anda estranha...
- E os túmulos de famílias, então. Na Lapa há vários deles. Geralmente são de granito escuro, preto ou marrom. Fico muito curiosa quando leio "Família Guedes da Fonseca". Quais membros já ocuparam o lugar previamente reservado? Quais ainda restam?
- Ai, meu Deus do Céu...Que fixação!
- Não é fixação, é encantamento. Gosto de olhar os túmulos e ficar imaginando como foi aquela pessoa, como terminou sua vida. Será que era boa? Será que era rica ou pobre? Morreu de desastre ou por não agüentar mais o peso da vida?
Silêncio.
- O que mais penso é se era sozinha no mundo ou deixou saudades.
- Esse lance de gostar de cemitério e talz, tá parecendo coisa de gótico - num riso de escárnio
Inebriada pela emoção do devaneio:
- Será que quando eu for enterrada, alguém vai passar pelo meu túmulo e se perguntar quem era eu, afinal?
Puxando o braço da garota, na ânsia de trazê-la de volta a realidade, o irmão diz:
- A morte de mamãe deve ter te perturbado um bocado...
- Muito pelo contrário. Não me preocupa, porque todo mundo sabe o que mamãe foi em vida. Todos sabem que foi boa mãe, generosa, fiel, amistosa, inteligente e tudo o mais. O que me preocupa é ser injusta sabe?!? Nessas de ficar imaginando, corre-se o risco de fazer mau juízo de alguém que já morreu e nem pode se defender mais.
- Por isso é melhor não pensar em mais nada!
- Não é mais possível. Esses pensamentos povoam a minha mente mesmo antes de mamãe partir dessa para melhor.
- É bobagem! Temos que retomar a nossa vida. Só temos um ao outro agora.
- Não sei o que vai acontecer, mas tive um sonho a noite passada.
Numa gargalhada contida:
- Não era de cemitério, né?
- Não, era de vida. E de morte. Era você quem olhava nos meus olhos e dizia que seguiria só. Que havia um lugar lindo prá mim, cheio de poesia para eu cantar, porém, sem a sua companhia.
Os olhos do irmão, arregalados, se encheram de lágrimas, mas não havia mais tempo. Compreendeu que para um destinava a morte e para o outro sobrava a vida.

2 comentários:

Anônimo disse...

Vou linkar o teu, babie, além de comentar todos os posts. Questão de tempo.
Padú

Anônimo disse...

Boa tarde minha cara!!

Faz tempo que nao falo contigo e, mais uma vez deixo aqui meu deslumbramento sobre o teu talendo: a escrita!!
Não tenho palavras para descrever o quanto estou gostando dos teus textos...
Bom vou ficar por aqui e, espero que ainda consiga bater um papo contigo pessoalmente!!
beijokas!!