Na varanda da casa, numa quarta-feira qualquer.
- O cemitério tem uma coisa bonita, não sei. É algo que soa quase como uma poesia, uma bela música, não sei.
- Que idéia é essa?
- Nada não, fico só pensando, sei lá. Toda vez que vou a um cemitério, fico passando por entre as túmulos, olhando as fotos, os nomes, a data de nascimento e de morte, aí calculo a idade da pessoa e fico me perguntando: quem era, em vida? Você não pensa essas coisas?
- Não! De jeito nenhum. Só vou a esses lugares quando tem velório, mas faço as honras e me mando em seguida. A proximidade com a morte me dá arrepios - passando as mãos nos braços, num instinto de auto-proteção.
- Não é a morte, são apenas pessoas mortas. Um dia foram como nós e quem sabe conversaram numa quarta-feira, na varanda de suas casas.
- Você me dá medo, as vezes...
- Quando me deparo com aquelas tumbas onde não há foto, fico pensando se, de repente a pessoa era feia demais ou se não houve quem se preocupasse com isso.
- Há há há, essa é boa. Quem se preocupa com isso? Que importa colocar uma foto do morto, se...
Interrompendo:
- É para eternizar o momento entende?!? Em alguma fase da existência da humanidade, em algum lugar, esse alguém teve importância para outro. Não colocar uma foto é enterrar o registro cabal de que aquela pessoa realmente existiu. Não permitir que a vejamos é demasiado cruel! Nunca poderemos saber quem é.
- Você anda estranha...
- E os túmulos de famílias, então. Na Lapa há vários deles. Geralmente são de granito escuro, preto ou marrom. Fico muito curiosa quando leio "Família Guedes da Fonseca". Quais membros já ocuparam o lugar previamente reservado? Quais ainda restam?
- Ai, meu Deus do Céu...Que fixação!
- Não é fixação, é encantamento. Gosto de olhar os túmulos e ficar imaginando como foi aquela pessoa, como terminou sua vida. Será que era boa? Será que era rica ou pobre? Morreu de desastre ou por não agüentar mais o peso da vida?
Silêncio.
- O que mais penso é se era sozinha no mundo ou deixou saudades.
- Esse lance de gostar de cemitério e talz, tá parecendo coisa de gótico - num riso de escárnio
Inebriada pela emoção do devaneio:
- Será que quando eu for enterrada, alguém vai passar pelo meu túmulo e se perguntar quem era eu, afinal?
Puxando o braço da garota, na ânsia de trazê-la de volta a realidade, o irmão diz:
- A morte de mamãe deve ter te perturbado um bocado...
- Muito pelo contrário. Não me preocupa, porque todo mundo sabe o que mamãe foi em vida. Todos sabem que foi boa mãe, generosa, fiel, amistosa, inteligente e tudo o mais. O que me preocupa é ser injusta sabe?!? Nessas de ficar imaginando, corre-se o risco de fazer mau juízo de alguém que já morreu e nem pode se defender mais.
- Por isso é melhor não pensar em mais nada!
- Não é mais possível. Esses pensamentos povoam a minha mente mesmo antes de mamãe partir dessa para melhor.
- É bobagem! Temos que retomar a nossa vida. Só temos um ao outro agora.
- Não sei o que vai acontecer, mas tive um sonho a noite passada.
Numa gargalhada contida:
- Não era de cemitério, né?
- Não, era de vida. E de morte. Era você quem olhava nos meus olhos e dizia que seguiria só. Que havia um lugar lindo prá mim, cheio de poesia para eu cantar, porém, sem a sua companhia.
Os olhos do irmão, arregalados, se encheram de lágrimas, mas não havia mais tempo. Compreendeu que para um destinava a morte e para o outro sobrava a vida.
2 comentários:
Vou linkar o teu, babie, além de comentar todos os posts. Questão de tempo.
Padú
Boa tarde minha cara!!
Faz tempo que nao falo contigo e, mais uma vez deixo aqui meu deslumbramento sobre o teu talendo: a escrita!!
Não tenho palavras para descrever o quanto estou gostando dos teus textos...
Bom vou ficar por aqui e, espero que ainda consiga bater um papo contigo pessoalmente!!
beijokas!!
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