Belinha ficou a semana inteira esperando a sexta-feira chegar. Era o dia de seu aniversário. Começaria a completar mais uma vez a mão. Ao mesmo tempo que era muito legal fazer aniversário, a idéia de que passaria a ter vinte e um anos a amendontrava um pouco. Os mais velhos diziam que depois dos vinte, o tempo passaria tão rápido que quando ela parasse para se dar conta, já estaria com os cabelos brancos e algumas rugas no rosto.
Não dormiu bem na véspera de seu aniversário. Confusa, não sabia dizer se era de ansiedade ou por conta da série de pesadelos que a atormentaram a noite toda. Sonhou que era como era: jovem, a pele bonita e sadia, e ao se olhar no espelho, viu no reflexo, uma velha caquética, com a pele cheia de marcas inexoravelmente deixadas pelo tempo que muito velozmente passou. Inconformada, ao se levantar da cama na manhã de sexta-feira, pensou que não queria mais crescer. A bem da verdade era que não queria mudar de idade. Imaginou que dali algumas horas deixariam até mesmo de chamá-la de Belinha. Ela seria Isabella, a anciã.
Lavou o rosto para espantar o sono e desceu as escadas do sobrado que morava desde a infância para o café-da-manhã. Sua mãe estava assistindo a um programa de receitas fáceis para o dia-a-dia da mulher moderna. Nem notou quando a filha chegou.
- Manhê! Uhu...eu estou aqui...
- Nossa filha, me desculpe, estava distraída.
Deu a volta na mesa, aproximou-se de Belinha e deu-lhe um beijo na testa. Não disse nada, apenas cumprimentou-a como de hábito. Belinha estranhou:
- Não está se esquecendo de nada?
A mãe ficou pensando, pensando:
- Não.
- Mãe, hoje é meu aniversário.
Num riso incontido:
- Não é não minha filha, você está se confundindo.
- Você acha que eu erraria o data do meu próprio nascimento?
- Ai ai, acho que anda trabalhando demais...Por que não pede uma folga ao seu chefe?
Belinha ficou sem-graça. Desenchavida, tomou o café com leite num gole só e saiu.
Na faculdade, ninguém se lembrou do seu aniversário, nem mesmo a melhor amiga. Todos diziam que ela havia enlouquecido e riam dela. Mas se perguntasse que dia era então seu aniversário, não recebia resposta alguma. Como poderia acontecer algo daquele tipo?
A esperança de provar sua sanidade era o pessoal do trabalho. Cruzando os dedos, entrou na sala, a espera de um abraço de parabéns. Nada aconteceu. Os colegas mais próximos deram um boa tarde comum e alguns até arriscaram um abraço, por estarem de bom humor. Ninguém se lembrara do seu aniversário.
Perturbada, começou a pensar de que forma provaria que não estava sendo vítima de um surto psicótico. Abriu a carteira e pegou o RG. Seria a prova concreta e cabal de que nascera naquele dia, há vinte e um anos, a partir daquele momento. Para sua surpresa e pavor, a data estava borrada. Não havia dia, nem mesmo, tampouco ano de registro do dia que veio ao mundo.
Voltou para a casa e pediu a mãe o registro de nascimento.
- Isabella, o seu registro ficou em chamas no incêndio da antiga casa. Você não se lembra, porque ainda era um bebê de alguns meses.
Nunca ouvira a mãe chamando-a pelo nome de batismo. Isso a perturbou um bocado. Pensava ser vítima de alguma teoria da conspiração. Estava tão agitada, que sua mãe percebeu:
- O que foi, filha?
- Mãe, se meu aniversário não é hoje, quando é?
- Já foi. Você escolheu isso.
Belinha lembrou da noite anterior, de tudo que havia sonhado, mas não entendeu. O primeiro passo para receber votos de um feliz aniversário é estar plenamente satisfeito com a idade. Todas as épocas da vida têm dores e delícias. Tem que saber dosar. Só compreenderia, com o passar dos anos, que a vida estava passando só ela não.
3 comentários:
Pois é, Belinha...foi você quem escolheu. A gente (quase) sempre escolhe.
Realmente pessoa a vida passa independente da nossa vontade, cabe a nós acompanharmos essa passagem da melhor forma possivel pq ela não da espaço p/ arrependimentos. o trem passa uma vez só.
Você escreve muito bem mesmo.
Não vai ser nenhuma surpresa se um dia - que não esta muito distante, voce aparecer com um livro de contos. Acho que esta bom para começar. Gostaria também de ver suas crônicas publicadas em algum jornal
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