terça-feira, 28 de março de 2006

O vôo da borboleta

Os encontros eram cada vez mais freqüentes. Às cinco e meia da tarde, quando o sol já estava baixo, nos encontrávamos. E conversávamos a noite toda, distraídos e cada vez mais atraídos. Ele muito me respeitava e pouco questionava. Colocava sua mão sobre a minha, sempre respeitando o limite de dois palmos entre nós, que eu mesma havia estabelecido.
Chegava bem cedinho em casa, andando nas pontas dos pés para não matar o sono tranqüilo dos meus pais. Dormia e quase não conseguia mais diferenciar o dia e a noite, o sonho e a realidade. Perdi o apetite. Não via mais graça em tudo aquilo que não tivesse ele. As minhas roupas começaram a ficar velhas e desengonçadas. Ficava esperando o sol ir embora para com a chegada da lua poder encontrá-lo.
Os últimos dias não tinham sido muito fáceis. Andava triste e angustiada. Roía as unhas até sangrarem e depois me sentia uma tola. Minha mãe, preocupada, me perguntava todo dia o que estava acontecendo comigo. Meu pai só olhava e pedia para ela ficar calma. "Ela está apaixonada. Coisa de criança!". Geralmente os pais ficam com ciúmes ao verem as filhas amando pela primeira vez. No meu caso, acho que ele pensava ser tudo fantasia.
Aquela terça-feira foi diferente. Eu estava me sentindo diferente, não sei. Por um momento, meus pés saíram do chão. Fiquei sem rumo, sem referência. O encontro, aquela noite, foi especial. Tudo igual. Cheguei para encontrá-lo, pontualmente; sentamos no sofá e ele me contou como foi o seu dia - eu não quis falar. Sentia alguma coisa estranha em mim. Um calafrio da raiz dos cabelos até a ponta do dedão do pé. Tirei o casaco.
- Que estranho, de repente ficou calor.
Ele riu, depois saberia, da minha inocência. Passou a mão no meu rosto com ternura.
- Comprei uma rede. É amarela, sua cor preferida.
- Que linda! Na feirinha da praça?
- Isso mesmo. Vamos lá na varanda prá ver?
Não disse nada apenas aceitei. Ofereceu sua mão direita para me amparar e me abraçou. Foi o primeiro contato corpo a corpo após meses. Eu permiti, porque achei que era chegada a hora.
Não lembro de mais nada, só de um formigamento nas pontas dos dedos. Que boa sensação aquela. Na quarta-feira já não era mais a mesma.
Fui para casa antes de amanhecer. No café-da-manhã, minha mãe me esperou com uma linda caixa de presente.
- Achei que você andava tristinha, filha. - e me deu o pacote
Tirei o laço lilás e rasguei o embrulho prateado. Era uma boneca. Não consegui agradecer. Achei que minha mãe teve uma atitude infeliz. Sorri:
-Mamãe, não quero mais bonecas; eu quero um jogo de panelas.

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