quarta-feira, 29 de março de 2006

Digite a senha, por favor

Sou metódica, confesso. Sistemática também. Compulsiva. E obcecada pela ordem. Concordo em gênero, número e grau com o fato de Deus ter transformado em sacramento essa prática tão essencial: a ordem.Tenho uma senha para cada segredo da minha vida. Dia desses – era uma terça feira, tola e nublada – como não haveria de ser diferente fui almoçar no restaurante do largo, no centro da cidade, próximo ao escritório onde trabalho. Restaurante por kilo.

Cheguei. Uma fila insana: cerca de 257 pessoas se amontoavam sobre os pratos, ávidas por uma colher de arroz ou uma coxa de frango. Um velho amigo me disse certa vez que restaurante self-service é a coisa mais grosseira que ele já viu, é a síntese da falta de educação. Ele tem razão. É o véio que tosse e cospe a dentadura na feijoada, é a perua que arruma as madeixas bem em cima do arroz – e caem algumas lêndeas, fruto dos sete dias que ela ficou sem lavar o cabelo para não estragar a chapinha nem desbotar a tintura –, é a gorda que pega oito bifes a milanesa, tem seus 5 minutos, quando sente-se culpada por trair o regime, morto na mesma segunda-feira que nasceu – e devolve cinco, por um acaso sujos do molho agridoce que ela colocou na salada. Ai, ai...Devaneios de uma baixaria.

Enfim, com algum esforço e certa persistência consegui fazer um prato razoável. Pesei e fui até uma mesa vazia, a única no cantinho do segundo andar do restaurante. Após a refeição, me dirigi ao caixa com a comanda em mãos. (Bati na testa). Abri a carteira e tinha apenas uma nota de cinco reais. É uma miséria mesmo. Afinal de contas eu ganho R$ 2,75 por hora. A mocinha do caixa percebeu meu desajeito e logo se antecipou em dizer que eles aceitavam todos os tipos de cartão, menos cheque. “Até o visa electron?”, perguntei. Ela acenou com a cabeça positivamente. Problema resolvido.Engano o meu. Ele começara ali, naquele momento. Passa o cartão. Digita, durante uns 5 minutos códigos aos borbotões: é o número da conta, da agência, a senha da máquina e o código do banco. Volta-se para mim e diz: “Digite a senha, por favor!”. Vamos lá. Só naquela manhã, tive que usar cinco senhas diferentes: para fazer uma consulta ao banco on-line, o meu login no computador, a minha senha de acesso a internet, a senha para o telefone do escritório dar linha – é o fim da picada, eu sei! É o novo PABX protegido com sua super senha de 12 números, sem repeti-los (háhá, pergunte-me como) – e a senha do e-mail. Olhei para a máquina. Ela olhou para mim e piscava psicoticamente: “A senha! A senha!”. A tonalidade verde daquela tela me deu náusea. De repente, um branco. Apagou tudo da minha memória. Que agonia! Como é que era mesmo a senha do cartão? 1279...não, não! 1259...ai...não não! Comecei a puxar os aniversários da minha família inteira na memória. Será que esta senha é a do aniversário da minha avó, ou do da minha cachorra, ou do dia que eu tomei um fora – essa ninguém esqueceria! A mocinha olhava, um sorriso falso, ansiosa para que eu saísse dali logo. A fila aumentava em progressão aritmética. Comecei a suar frio. Não lembrava. Não conseguia lembrar a maldita senha.

Olhei para a moça: “Paciência!”. “A senhora vai ter que pagar!”. Ai, que pressão. Essas mocinhas do caixa são muito insensíveis, sem coração. Propus se eu não poderia lavar uns pratos, sei lá...Ela disse terminantemente que não. Aí veio uma luz. Não, não foi desta vez que eu lembrei a senha, mas tive a brilhante idéia de fazer uma proposta: “Vou deixar meu RG como garantia de que voltarei para pagar”. A mocinha do caixa titubeou, olhou com desconfiança para a minha barganha. Aí eu cresci. Já estava tão prostituta dessa minha existência que fiquei valente: “ô minha filha, você acha mesmo que eu vou deixar minha identidade aqui eternamente?”. Ela olhou com ar de desprezo: “Você só pode estar louca!”. Joguei minha identidade no balcão, dei de ombros e fui embora. Fui embora com dor de cabeça, estressada, p. da vida, sem senha e sem documento. Por que comecei mesmo a contar tudo isso? Esqueci!

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu amo Teresa. Mas Teresa é uma menina estranha. Costumo amar pessoas estranhas. Estou feliz, porque agora o mundo está de prova que ela é retardada. E que, não à toa, continua cada vez mais estranha e mais amável.

Unknown disse...

Olá... Me passaram o endereco do seu blog... e vim conferir... até depois.