quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A parte da personagem que nos cabe

Eu não acredito mais no amor. Era assim que a peça começava. João e Maria. Mas não aquela história do casal pré-adolescente que foge pela floresta colocando no caminho migalhas de pão que em seguida são devoradas sem piedade por pássaros selvagens. Não! Não tinha nada de conto de fadas.

Era a décima desilusão que ela sofria e prometera, enfim, para ela mesma, nunca mais acreditar em palavras de afeto ou juras de amor. De algumas se lembrava; outras, preferiu esquecer. Ela lembrava de um amor adolescente, que abandonou e depois se arrependeu irremediavelmente. Mas ele não a quis mais.

João amava Maria. E Maria amava João. Tudo certo e resolvido? Não. Eles não podiam ficar juntos. Porque João tinha uma Ana. Mas não amava Ana, amava Maria. E porque não ficavam juntos? Porque as grandes paixões não têm um final feliz.

Ela penou para superar essa rejeição, mas conseguiu, com certo êxito. E veio outra grande paixão. Ele tinha uma filha, fruto de um relacionamento ainda latente, mas decidiu esconder essa verdade tão importante, tão fundamental. Aconteceu o que sempre acontece na vida real: ela o viu passeando no parque com a garotinha, que não devia ter nem cinco anos completos. Na fila do sorvete, observava a cena a certa distância, quando ouviu cada letra da palavra: "Papai!"

João e Maria eram amigos. E só. Pelo menos era o que vinha a público. O segredo tão óbvio era dividido entre os dois. E só. Se amavam tanto, que Maria aceitava encontra-lo às escondidas. Ele prometia que iria assumi-la, mas precisava de um tempo para resolver a situação com Ana. Ela esperou por dias, semanas, meses...

Ela jurou que nunca mais iria acreditar nos homens. Que tudo o que diziam ser verdade eram mentiras e as próprias mentiras eram mentiras. Mas deu crédito ao amor. Para ela, encontrar alguém passou a ser questão de honra. Se apaixonou por alguém que tão logo a desprezou. O vazio foi ocupado por uma carência que a fez cega. E ela engatou namoro com o primeiro que apareceu. No início ia tudo bem e ela pensou conseguir respirar aliviada. Nem um ano se passou e ele passou a bater nela. Desistiu.

Em nove meses, nascia o filho de Ana e João. E ficava cada vez mais difícil João dizer a Ana que não a amava. Que queria estar ao lado de Maria. Os laços entre os dois ficavam cada vez mais fortes. Maria pedia garantias, João deixou de dá-las. Maria ainda acreditou que tudo pudesse se resolver, e tinha, em seu íntimo, uma sensação de que tudo iria acabar bem. Mas se enganou. Mais uma vez.

Mais machucada por dentro que por fora, quando menos esperava e de onde menos esperava, veio o amor. Ele confidenciou a ela, que sempre fora apaixonado, só estava esperando o momento certo. Era aquele. Apesar de sempre muito confuso, ela acreditava no amor que ele sentia. Todos os amigos debochavam da mulher sonhadora em que tinha se transformado. Todos diziam que ele só queria enganá-la. Ela o defendia e acreditava na verdade do sentimento que ele nutria. Se declarou desejosa de ter uma vida ao lado dele. Ele negou. Disse que, na verdade, não gostava tanto assim dela. Determinada a esquecê-lo, ela foi se machucando e se fechando a outras possibilidades. Mas ia esquecê-lo, de qualquer maneira.

Depois de cinco longos invernos eles enfim se encontraram. Era primavera e ele lhe trouxe um ramalhete de rosas vermelhas, as suas preferidas. Ela agradeceu e o recebeu com um beijo no rosto. João achou Maria fria. Maria disse que o clima mudava bastante naquela região. Ele a beijou, ela consentiu. Em seguida, disse que finalmente havia tomado coragem de se separar de Ana e que, agora, poderiam viver o grande amor que sentiam um pelo outro. Maria, tão machucada quanto amadurecida pelos anos de espera, simplesmente levantou e saiu. Dizem que o amor existia, mas não aconteceu.

Logo ele estava namorando outra pessoa. E ela tentava, em vão, esquecê-lo. Mas ele não sabia nem metade do seu sofrimento. Fingia sempre estar bem. E começou a se acostumar com a ideia de não tê-lo. E a paixão que sentia foi se reduzindo às memórias das poucas vezes em que ficaram juntos. E ela se conformou. E justamente três dias depois, recebeu uma mensagem dele: "Você é uma mulher incrível. Mas eu sou um fraco falível. Você prá mim foi um sonho irrealizável. Não parece, mas, na verdade, te amo."

A personagem caminhou devagar até o procênio, se despiu. Levantou o rosto. Era a atriz: "Eu não acredito mais no amor".

3 comentários:

Dani Dias disse...

Maria amava João que amava Maria e cada um casou com aquele que não tinha nem entrado na história.

Maria está nua por fora.
Vestida por dentro.

João está vestido por fora...
Mas nu por dentro.

Maria, Maria tem o palco.
João tem a solidão.

Marcelo Tárraga disse...

Maria que era "A louca" e batia asas como borboleta, enfim virou casulo novamente. Está em fase de mutação. Dentro da "nova casa" cria suas nova vida para poder alçar novos voos.

MAC Amaral disse...

De certo que Maria em amar sem ser amada, desiludida e desconfortada, de tanto esperar se cansou.
Pois o amor também cansa, mesmo que verdadeiro, cansa de esperar e de amar sozinho.
Nos dias atuais diria que Maria ainda vai amar novamente, outro João há de faze-la feliz ou ao menos contente.
Ainda que se pareça inútil dizer: Amor é uma coisa que não tem princípio e nem fim é eterno dentro de nós, e fica repousando até encontrar algo ou alguém que ele pense merecer, e uma hora ele acerta.