domingo, 10 de maio de 2009

Sentir-se vivo

Tinha uma rosa nas mãos, embrulhada naqueles papéis de gosto duvidoso, mas que todas as floriculturas gostam e usam. Era a autêntica dama de vermelho. Trajava um vetido inteiriço, de crepe e três saiotes, todo vermelho. Vermelho carmim, vermelho fogo. As meias eram cor da pele, para apenas disfarçar as marcas do tempo, que não são aparentes apenas no rosto, nas óbvias rugas, mas no corpo todo. Os cabelos, cinzentos, quase brancos. Batom rosa na boca, lápis preto no olho, brincos iguais ao colar, de pérolas compradas na Galeria Pajé, e um sapato preto com 4 centímetros de salto. Estava no ponto de ônibus do corredor da Av. Francisco Matarazzo. Devia ter uns 70 anos. Ou mais. Senti pena num primeiro momento. Onde ela estaria indo? Porque, apesar de bem vestida, produzida, parecia tão abandonada?
E, absorta nesses pensamentos, presenciei uma das cenas mais bonitas, mais singelas, mais puras. Ao virar um pouco mais a cabeça para o lado esquerdo, notei um Monza 89, um pouco atrás de onde eu estava. O semáforo estava no vermelho. E, quando atentei para aquele homem, de 70 anos, ou mais, ele estava flertando com a senhora do ponto de ônibus. Olhava para aquela mulher, muito mais do que desejo, era a sensação de estarem vivos que estava latente. Ativos. Eu fitei aquela cena por alguns minutos, e, de tão sincera e bonita aquela descoberta diante de meus olhos, não queria que acabasse nunca. Queria ver se ela iria até o carro para falar com ele. Ou ele a convidaria para um passeio. A troca de olhares aconteceu, ela notou que estava sendo paquerada, se arrumou diante do pretendente, cheirou a flor, se debruçou sobre o gradil do corredor de ônibus, fingindo não estar nem aí. Ele, colocou o cotovelo para força e encarou-a na cara larga, como dizem por aí. Mas a necessidade do momento não era de uma paixão latente, um amor para recordar. A necessidade objetivamente foi cumprida: a sensação de estar vivo. O sinal abriu. O carros começaram a andar. Ela ficou no ponto de ônibus. Ele fechou o vidro do monza e saiu. O encontro nunca aconteceu. Mas como tinha vida naqueles olhares. Como pode haver tanta vida em alguns minutos banais.

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