quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A primavera que era inverno

Essa história de que as condições climáticas influenciavam as pessoas já era antiga. Crendice ou sabedoria popular. Depende do ponto de vista. Só que dessa vez ela percebeu que o contrário estava acontecendo: era ela quem estava modificando o tempo.
Ela estava com ele, mas tinha o outro. E nem ele nem o outro sabiam o que se passava na cabeça dela. Acho que nem mesmo ela, só o tempo podia saber.
Toda vez que ela decidia ficar com ele, o tempo fechava e ventava muito. Às vezes chovia. Mas não era para lavar a alma. Era aquela garoa fina, insistente, como um lamento. Toda vez que ela optava pelo outro, fazia sol.
Quando chegou a primavera, ela decidiu ficar só com ele. E o tempo fechou. Ficou só cinza. Às vezes, chovia. Foram meses sem sol. Os dias eram cinzas, tristes, angustiantes. As pessoas não saíam mais de casa. Não se lavava mais a roupa e colocava no varal: a opção era a secadora ou a lavanderia. Do contrário, elas não secariam e começariam a cheirar mal. As plantas morreram, deixando as floreiras vazias.
Ela foi ficando absorvida pelo clima. Pelo tempo. Também foi ficando vazia. Um dia encontrou, por um acaso, o outro e mudou a opção. O outro virou ele para ela. O dia amanheceu com um sol lindo, dotado de toda uma intensidade guardada durante o período sabático. E nunca mais anoiteceu. As noites eram brancas, por causa da lua, que vinha religiosamente visitar o sol. Os dias eram amarelos, cheios de energia. O sol era onipresente. Ele e ela eram os únicos ocupantes daquele tempo.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

As (im)possibilidades da paixão

Todo dia ela procurava por ele. Nos mesmos lugares de sempre. Às vezes ele aparecia, mas era casual. Ela gostava de sol. Ele, de chuva.
Fez uma semana de chuva. E, embora ela estivesse ficando embolorada, estava feliz, porque podia vê-lo sempre. Meio verdinha, por vezes um pouco amarelada, mas feliz. Ele não gostava dela assim. Achava meio esquisito tudo aquilo e não entendia porque ela não podia suportar a umidade que a chuva trazia. Eram incompatíveis!
No domingo anoiteceu chovendo. Mas ao amanhecer, o sol veio com toda força. E ele desapareceu. Foram sete dias, terríveis. E, embora fizesse sol e ela estivesse recobrando a cor, por dentro ela continuava cada vez mais embolorada, tomada por completo por uma cor amarelada, feito icterícia. Era uma doença que dá em quem sente saudade.

Na semana seguinte, nem chuva nem sol. Foram sete dias de um indefinido clima, caracterizado por uma densa neblina. Eles ficaram brancos e sem mais desejos como os de aflição e angústia, gerados pela saudade insaciada. E conseguiam ser visíveis um para o outro, ainda que intocáveis. Às vezes, a neblina cobria uma parte ou outra do corpo, mas tão logo desnudava em um sempre prazer de ver e ser visto. De notar e ser notado. Experimentaram uma nova sensação: a de pertencimento. Não se tocavam, se viam por vezes em metades, mas eram inteiros e estavam ali, prontos, um para o outro. Apenas esperando que a neblina baixasse e nem sol nem chuva pairasse na Terra. Nem neblina.

Era outra coisa o que desejavam, mas isso ainda não existia. Quiçá um dia existiria. A neblina foi se tornando escassa no final do sexto dia. E os dois passaram a não ser mais tão nítidos um para o outro. Apareciam em pedaços, mas como condição e não casualidade. E entenderam o que era a neblina. Ela era a neblina dele; e ele, a dela. E decidiram para sempre ficar por lá, na atmosfera tão incerta, mas a única possível para aquela paixão.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Não é irônico?

Maria amava João que amava Maria e cada um casou com aquele que não tinha nem entrado na história.

Maria está nua por fora.
Vestida por dentro.

João está vestido por fora...
Mas nu por dentro.

Maria, Maria tem o palco.
João tem a solidão.

O texto acima foi escrito como comentário de um outro texto meu, por Daniela Dias, amiga, jornalista e poetisa. Com os devidos créditos e desculpas, peço-lhe licença para compartilhar. O irônico do título não é por causa da "quadrilha", utilizada como mote para o texto, mas como um texto escrito faz alguns meses, possa fazer tanto sentido agora. Tanto...É importante também salientar que, no momento em que o texto foi escrito, João e Maria eram meros personagens de uma fantasia.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Sobre a psicopatia nas relações amorosas

Uma pessoa de coração gelado pode amolecer quando se apaixona? Nesse caso, a pergunta seria outra: uma pessoa que não sente nada, pode gostar de si mesmo? E do outro? É interessante como tem gente covarde e dissimulada. Sao características psicopatas. A dissimulação é a mais latente. E a covardia, que é mãe da crueldade, como diria Montaigne, arrasa a vida de alguém. Como alguém pode dizer uma coisa em um dia e no seguinte mudar tudo? Não é honesto com ninguém. Será que uma pessoa dessas consegue ser feliz, de verdade?

Ela havia escrito as palavras em um momento de ódio.

Um mês se passou e hoje ela encara de uma forma diferente o fato de ele tê-la deixando, simplesmente, falando sozinha. Uma louca! Socorro! Até parece...a sanidade está com ela. O equilíbrio nem tanto, mas quem precisa dele?

Hoje ela entende que ele na verdade, e de verdade, não sabe o que aconteceu. É um garoto. E ela, uma mulher. Por mais que lute contra isso.

Hoje ela entende que ele gostou dela e ofereceu o máximo do afeto que pode. Só que o máximo dele é muito pouco para ela.

Hoje ela entende que ele ficou atordoado e não soube lidar com a mulher que sabia muito bem o queria. Ele, como todo garoto, gosta de iludir.

Hoje ela entende muita coisa. Ele continua não entendendo nada.